Guia da Semana

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É sabido que de tempos em tempos algum efeito transformador é necessário para que a arte se renove, se revitalize, se revigore criando um novo sentido que permita aos artistas exercerem seu poder de criação. Essa mutabilidade é cíclica e acaba sendo preponderante em segmentos e grupos com formações e anseios similares. E estes ciclos, geralmente, acontecem no momento em que arte começa a passar por um período de falência de ideais, costumes, de idéias, no momento em que o teatro começa a ficar datado com representações e linguagens lineares presente não, apenas, em um grupo mas, em todo um segmento.

É necessário que uma nova ordem se estabeleça, que um novo conceito de arte aconteça liberando novas tendências e formas do "fazer" teatral.

Nos últimos tempos, tenho acompanhado de perto uma nova safra de textos e autores que tem estado em evidência e com uma certa freqüência no circuito off do teatro carioca.

São autores de pouca expressão, neste primeiro momento, mas o qual eu creio que representem esta válvula propulsora da mudança, de um novo ciclo teatral que deve perdurar pelos próximos dez anos.

Acreditem, o teatro carioca está redescobrindo sua vocação para as tragédias urbanas, falando de suas angústias cotidianas com toques de crueldade e humor. O trabalho de autores como Júlia Spadaccini, Renata Mizrahi, Jô Bilac e Rodrigo Nogueira que, embora, apresentem poucos pontos em comum, tem um frescor de novidade. Transformam palavras em histórias com grande poder de identificação com o público que o assiste.

Júlia Spadaccini, por exemplo, tem um grande poder de eloqüência para expor a tragédia do cidadão comum, seja este confinado a uma baia de um escritório como o personagem Alfredo Luiz de "A Sônia que é Feliz" ou presa a própria angústia como o tema abordado em "Não Vamos falar sobre isso agora". Júlia tem uma familiaridade em pontuar as angústias e os conflitos femininos de uma forma por vezes divertida. Tal qual uma Martha Medeiros, Júlia se expõe através de seus personagens.

Jô Bilac é outro exemplo de mudança, de um artista que está amadurecendo através da escrita. Há certo ar de filme noir em sua obra. Trafega com naturalidade entre os mais variados gêneros e, apesar, de apresentar uma tendência a linearidade, é capaz de criar pérolas e frases que sintetizam a essência do espetáculo como a que o personagem Almeidinha profere em "Cachorro" quando diz à amante que o amor deles não toma sol. Ponto para Jô Bilac.

Renata Mizrahi é outra dramaturga que se destaca pelos textos recheados de solidão humana. Um dos temas preferidos pela maioria dos atores. Os personagens de sua obra estão sempre em busca de uma mudança seja através da tragédia ou da comédia. Há uma profusão de jogos de palavras em seus textos que justificam a ação e o tom da comédia. Afinal, a solidão nem sempre é tão trágica. É possível identificar certas referências literárias em sua obra vindas de Beckett e do próprio Woody Allen.

Dos autores citados, talvez o que esteja mais amadurecido seja Rodrigo Nogueira. Sua obra é recheada de conflitos psicológicos e existenciais e descreve um universo muito particular do autor. Sua construção literária é um misto de loucura e realidade, mas nem por isso menos cotidiana. Pelo contrário, a obra de Nogueira desvela essa loucura cotidiana presente na mente do cidadão comum, perfeitamente identificável por grande parte do público.

Estes quatro representantes de uma cena carioca em processo de revitalização acenam com possibilidades de uma nova dramaturgia. Por mais simples que sejam os temas discutidos em suas obras, podemos perceber que existe um movimento que busca esta transformação de uma forma indireta. Não existe um discurso claro que os aproxime ou uma similaridade de idéias, mas uma tendência ao discurso dramatúrgico que aos poucos vai se delineando no teatro.

Esta nova leva de autores mais do que apenas discutir seu universo ou criar tendências, estabelece uma abertura para que outros autores se arrisquem e exponham seu trabalho. O teatro é feito de novas idéias, de novas possibilidades e o teatro carioca nunca esteve tão necessitado de novas perspectivas como agora. Que venham os novos autores e que eles sejam os agentes desta mudança.

Quem é o colunista: Celso Pontara.

O que faz: Paulista, radicado no Rio, Celso Pontara é uma mistura de ator, dramaturgo e produtor cultural.

Pecado gastronômico: Coxinha de camarão do Bar Rebouças no Rio.

Melhor lugar do Brasil: Paraty.

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Atualizado em 6 Set 2011.