Guia da Semana

Foto: Marcus Nascimento/A Filosofia da Alcova


Uma das boas surpresas que permeiam a fraca safra de produções atualmente em cartaz no Rio de Janeiro, sem sombra de dúvida, vem de terras paulistanas. A Mostra Satyros no Rio, no Teatro Sérgio Porto, trouxe ao todo cinco peças do repertório de um grupo com vinte anos de estrada e grande presença na cena teatral paulistana. É teatro de Cia feito com qualidade cênica.

A Mostra começou com a apresentação da nada conservadora trilogia libertina iniciada com A Filosofia na Alcova, 120 dias de Sodoma e a mais recente Justine, duplamente indicada ao 22º Prêmio Shell SP de Teatro em Melhor Direção e Iluminação. A trilogia, mais do que prestar uma homenagem ao Marquês de Sade, propõe questionamentos e reflexões sobre os fetiches sociais e o poder ofensivo das transgressões da linguagem, sobrepondo-se às transgressões morais. No universo sadeano, a relação entre os seres sensíveis e virtuosos está subordinada à vontade dos libertinos, onde toda sua virtude e seus valores são atacados, ridicularizados e destruídos pelos devassos. Na trilogia apresentada pelos Satyros, podemos assistir à decadência e ao infortúnio da virtude em contraponto à ascensão e à prosperidade do vício. A voz do virtuoso se torna cada vez menor na presença do discurso do libertino.

Não é raro o público responder com um certo desconforto à libertinagem e ao escatológico apresentado pelo grupo. A obra de Sade provoca e nos coloca em xeque com nossa própria religiosidade, crença e virtude.

Em A Filosofia na Alcova, primeira parte da trilogia, um casal de libertinos tenta reeducar uma noviça, apresentando-lhe a libertinagem e tornando-a uma mulher vil e imoral. A estética corporal dá vida e beleza plástica ao espetáculo. O ambiente pequeno da alcova se amplia através da presença do espelho que tem a função de duplicar a luxúria e atingir até mesmo aqueles que não participam do ato, em meio ao deboche e ao discurso filosófico.

120 dias de Sodoma trata das questões filosóficas e políticas, colocadas pela obra sadeana, em um contexto brasileiro de corrupção e decadência das instituições sociais. É o trabalho mais permissivo do grupo e, talvez, o mais longo e menos interessante da trilogia. Os excessos e os experimentos apresentados causam certo desconforto no público, mas não chegam a atingir a proposta do discurso da obra.

Já o espetáculo Justine, última parte da trilogia, conta a história da pura, religiosa e inocente personagem Justine, que acaba se envolvendo em experiências de crime, tortura e depravações que testarão seus valores morais e de conduta, enquanto sua irmã, a bela e libertina Juliette, realiza uma trajetória cheia de sucessos e prazeres. É de longe o melhor da trilogia, pois é um espetáculo que traz toda a intensidade do discurso sadeano, através de interpretações contundentes dos atores, em especial de Andressa Cabral no papel da protagonista, da direção bem acertada de Rodolfo Vázquez e de uma beleza estética que nos faz mergulhar na saga de Justine e torcer por seu infortúnio.

A mostra por fim se despede do Rio com a apresentação do espetáculo LIZ, que narra o momento em que a Rainha Elizabeth I é informada acerca das idéias heréticas que se debatem no círculo da Escola da Noite e O monólogo da velha apresentadora.

Uma mostra imperdível com espetáculos de qualidade e um pouco da linguagem paulistana para carioca ver e se divertir.

Quem é o colunista: Alexandre Pontara.

O que faz: Paulista, radicado no Rio, Alexandre Pontara é uma mistura de ator, dramaturgo e produtor cultural.

Pecado gastronômico: Bolo Negro e Tiramissú de Chaika.

Melhor lugar do Brasil: Paraty.

Fale com ele: capontara @uol.com.br ou acesse seu site

Atualizado em 6 Set 2011.