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Fotos: Arthur Santa Cruz |
Apesar de possuírem inúmeras obras de arte e servirem de morada eterna para corpos de diversas personalidades que construíram a história, os cemitérios não são lugares muito agradáveis para a maioria dos brasileiros. Afinal, a morte, principalmente de entes queridos, traz lembranças tristes. Por isso, freqüentar esse espaço como forma de lazer e cultura é algo impensável para grande parte da população.
Essa visão não é compartilhada com outros países do mundo. Enquanto verdadeiras romarias visitam a necrópole francesa Père Lachaise, interessadas em conhecer os túmulos de personalidades ilustres como Victor Hugo, Voltaire e Chopin; outros tantos vão ao Ricoleta (considerado solo sagrado pelos argentinos) visitar os túmulos de Evita e Juan Domingo Perón, aqui no Brasil os cemitérios praticamente só são lembrados no Dia de Finados, exceto em junho, quando turistas matam a sua curiosidade ou em esporádicas excursões escolares.
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O Cemitério da Consolação é a mais antiga necrópole paulista. Em julho, ele completa 150 anos. É uma referência em quantidade de obras de escultores famosos expostas a céu aberto. Um visitante desatento, que almeja fazer um passeio no cemitério, pode não contemplar toda a arte esculpida em túmulos ricamente ornamentados, verdadeiros monumentos de granito, mármore (da cidade italiana de Carrara) e bronze.
Caso observe só a suntuosidade das obras, muitas personalidades importantes passarão despercebidas, como por exemplo, a Marquesa de Santos ou mesmo a nobreza, que enterrara seus parentes familiares em túmulos simples, somente com brasões famíliares. Enquanto isso, industriais eram enterrados com verdadeiros monumentos de arquitetura, como o Mausoléu da família Matarazzo, o mais visitado da Consolação, abriga 28 corpos em mais de 150 metros quadrados, a mais alta obra feita em necrópole na América do Sul, um espaço estimado em um valor de 500 mil reais.
O que fica na lembrança |
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Nem mesmo pelo viés de um conhecedor da história da arte, as esculturas nos cemitérios são valorizadas. Segundo o especialista em cemitérios, o professor Eduardo Resende, 38 anos, grande parte dos escultores preferem esconder que fazem obras do tipo. "Muitos artistas não assinam a escultura, que não é apreciada pelo meio, até pela forma com que é feita, por encomenda".
Assim, um mundo de réplicas de Pietás (Michelangelo), Arcanjos, Nosso Senhores e vários semi-nus femininos, imitando esculturas gregas, convivem em um mesmo lugar com esfinges, túmulos japoneses, símbolos escatológicos de caveiras e maçons. A simbologia está muito presente, como a coruja representando a sabedoria; colunas interrompidas a brevidade da morte e martelo e bigorna, representando o trabalho e o industrial.
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No cemitério da Consolação você pode encontrar artistas, como o italiano Amadeo Zani (1869-1944), que é autor das obras da "Fundação de São Paulo", no Pátio do Colégio e Verdi, no Anhangabau; Francisco Leopoldo e Silva (1879-1948), autor do primeiro e conturbado nu feminino (instalado no cemitério em 1922). Luigi Brizzolara (1868-1937), responsável pelo Mausoléu da Família Matarazzo e pela escultura Anhanguera que fica em frente ao parque Trianon; Victor Brecheret (1894-1955), mais famoso escultor da cidade, tem como obras o Monumento às Bandeiras, cartão postal de São Paulo, localizado em frente ao parque do Ibirapuera.
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Essa é uma pequena amostra da diversidade de artistas que produziam basicamente três tipos de arte: Art Nouveau, que utilizava o ferro para reproduzir símbolos da natureza, como folhas e flores; o estilo Neoclássico, formado por esculturas greco-romanas com formas arqueadas e colunas dórias e a Art Déco, um estilo mais geométrico, com formas mais quadradas.
Descaso
"Aqui estão enterrados o governadores Ademar de Barros e Abreu Sodré, os presidentes Washington Luís e Campos Salles, os intelectuais Oswald Andrade e Mário de Andrade e os industriais Conde Francisco Matarazzo e Conde Crespi", aponta Popó, guia turístico do Cemitério da Consolação.
A pouca valorização é percebida pelo vandalismo praticado em algumas obras. Pichação, roubo de peças e depredação de escultura são notados em uma visita não muito longa. "Alguns colecionadores retiram placas com o nome do artista da obra para guardar de recordação ou mesmo vasos de mármore do túmulo, que chegam a valer até oito mil reais", enfatiza Popó.
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Não existe um catálogo de esculturas e artistas nas necrópoles de São Paulo. Poucos estudam sobre o tema e o que sabem é transmitido de forma oral, como é o caso do autodidata Popó e do professor Eduardo Resende, que costuma levar os seus alunos da Uniban (Universidade Bandeirantes) para o cemitério. Boa parte da memória da metrópole paulista está entregue a curiosidade de poucos que queiram assimilar esse conhecimento. Assim como as obras depredadas e as personalidades enterradas, vai chegar um momento em que o passado não vai fazer parte do nosso mundo.
Doutor Cemitério | |||
Em seus 20 anos de estudo e mais de 500 necrópoles visitadas pelos 20 países pelo quais passou, conheceu muitas histórias inusitadas. "Aqui, no Consolação, Oswald de Andrade se casou simbolicamente com Pagu, na frente do túmulo do pai de Oswald". E sobre a amante de Dom Pedro I, revela."Há uma história que conta que toda prostituta que fica rica, vem ao túmulo de Domitila de Castro Canto e Melo (Marquesa de Santos) para lhe oferecer flores vermelhas. Ela se transformou numa espécie de padroeira das prostitutas e, diariamente, flores vermelhas estão ao pé do seu túmulo", ironiza. O Dr. Cemitério reclama da falta de cuidado do poder público e aponta os modelos de gestão. "Há dois cemitérios museus na América Latina, um é o Presbítero em Lima e o outro é o São Pedro de Medelin, na Colômbia. Cessaram-se o sepultamento, paga-se a entrada e têm eventos, shows, noite da lua cheia, caminhadas noturnas, crianças na escola vão aprender várias coisas, têm concurso de florista". Para ele, o reforço e valorização cultural dessas áreas é fundamental para a conservação do patrimônio histórico da cidade. |
Veja:
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Conheça:
Visita monitorada ao Cemitério da Consolação:
Acontecem de segunda a sexta, com uma hora de duração. É preciso ligar para o telefone 0/xx/11/3396-3815/3833 para agendar.
Site para contato: www.necropolis.com.br
Fonte:
Eduardo Coelho Morgado Rezende, geógrafo e especialista em cemitérios Livros publicados: O céu aberto na terra e Metrópole da Morte, Necrópole da Vida (Editora Necropolis)
Atualizado em 6 Set 2011.