Guia da Semana

Foto: Arthur Santa Cruz


É um apelo. Pegue seu lixo, coloque no saco e em local apropriado para ser recolhido pelo caminhão. Ruas e bueiros não são uma opção. Pense que morar em São Paulo já é uma aventura por si só. Um dia meu trem quebra e não consigo pegar o próximo, no outro, algum infeliz se joga na linha do metrô (nunca faça isso em horário de pico, ninguém tem nada a ver com seus problemas) e pára tudo. Se não bastasse tudo isso, o lixo, que algumas pessoas insistem em deixar nas ruas, subiu em meio à chuva. Resultado: enchente.

Para quem estava em casa, ótimo. Para quem estava dentro do trem, péssimo. Eram 18h30 quando embarquei no trem da estação da Luz. Ele seguiu para o Brás e lá ficou parado por uma hora e meia. Ninguém dizia direito o que estava acontecendo, mas sei que em cada vagão cabem pelo menos 300 pessoas e pode ter certeza de que toda essa gente marcava presença naquele lugar.

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De repente, o carro andou e pensei (ingênua!) que chegaria logo em casa. Ouço o maquinista dizer que prestaria serviço apenas até a estação São Caetano, três antes da minha (Santo André). Ali começou o desespero. Ninguém estava conseguindo passar de São Caetano para Santo André. Eu achei que esse seria o único problema. No Tamanduateí, um ponto antes da tal São Caetano, o maquinista se desesperou, fechou todas as portas e tentou voltar para o Ipiranga, onde nunca conseguiu chegar. Resumindo: ficamos ilhados, entre Tamanduateí e Ipiranga.

No começo parecia uma aventura, até que não era tão mal. Até que o maquinista (correto como sempre) resolveu dizer que a água estava baixando. Coitado! Mal sabia ele que a gente conseguia olhar pelo vidro e via que a tal da água só estava subindo. A notícia de que bombeiros chegariam veio cedo, mas eles não.

Na verdade, o anúncio era que uma barca viria nos socorrer. Responda, caro leitor, quantas pessoas cabem numa BARCA? Eles teriam que mandar pelo menos o Titanic para levar a gente embora. Mas não mandaram. Nem a barca chegou. O que chegou foi um bote inflável, com dois bombeiros. Isso mesmo que você leu. Vi apenas dois bombeiros, em toda a aventura no balanço do trem.

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As pessoas começaram a se desesperar. Um sofre com baixa da pressão, o outro chora. Eu mesma abri a boca a chorar em alguns momentos, mas alguns anjinhos estavam lá para me fazer rir e não entrar em pânico. Já era quase meia noite. A fome apertava. No estômago, uma barra de cereal que um daqueles ambulantes vendeu enquanto ficávamos parados no Brás.

No auto-falante, o anúncio: "há pessoas desaparecidas ao redor (ao redor, só tinha água!) e os bombeiros estão passando de vagão em vagão para socorrer apenas as pessoas que sofreram de mal súbito. Fiquem nos seus lugares." Para onde ele achou que eu iria?? Desculpa, mas eu não queria morrer nem afogada, nem com leptospirose.

O bombeiro, mais nervoso do que quem estava lá dentro, chega ao meu vagão, que era o último. Pergunta se tem alguém passando "mal de verdade" e grita para a menina que já está ficando nervoso. Coitado! Só ele estava nervoso, no mundinho imaginário dele.
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Logo, a voz do além, já trêmula, anuncia novamente que o reboque ia demorar "excessivamente" para chegar. Quem quisesse, poderia sair em fila indiana pelos trilhos, com auxílio dos bombeiros, para chegar à plataforma de Tamanduateí, onde teria água para todos. Entrei em desespero, mas respirei fundo e resolvi descer com as pessoas. Três passageiros me ajudaram a pular nos trilhos cheios de poças, por onde caminhei cerca de 30 minutos, com as novas amigas que fiz durante o "passeio".

Ah! Claro que vi os bombeiros! Um parado ao lado do bote e outro carregando uma maca! A equipe parecia não ter muitos integrantes. Também, estava escuro, pode ter sido isso (otimismo). Cheguei à plataforma, onde mais dois homens me ajudaram a subir. Fui pedir pela água e ouvi: "você tem garrafa ou copo?". Lógico que não! "Pois então, não pode pegar a água."

Enfim, cheguei à saída da plataforma. Lá, o marido de uma das mulheres que eu conheci no trem, a Telma, estava nos esperando. Outro anjo, que me deixou na porta de casa. Subi correndo e entrei no chuveiro para tirar aquela água suja do meu pé e aquele suor do corpo. Acabou ali minha volta do trabalho, às 2h. Moral da história: jogue lixo no lixo.

Quem é a colunista: Carolina Tavares

O que faz: Jornalista do site Guia da Semana

Pecado gastronômico: chocolate

Melhor lugar do Brasil: Nunca gostei tanto da minha casa

Fale com ela: [email protected]





Atualizado em 6 Set 2011.