Guia da Semana

Foto: Wikipedia.org

Locomover-se de ônibus pelas ruas de São Paulo é hábito corriqueiro para milhões de paulistanos. Enfadonho para muitos, a vista lá fora passa desapercebida. Mas tudo muda em um passeio de trolebus, com direito a guia, pelas vielas históricas do centro da terceira maior cidade do mundo. Fundada em 1554, história é o que não falta e marcas evidentes estão por toda a parte.

Aventurei-me por esse passeio exatamente no dia em que São Paulo festejou os seus 456 anos, em janeiro último. Após conferir uma exposição, caminhei uma quadra e no Pátio do Colégio embarquei em um tour gratuito, presente da cidade aos seus moradores.

À frente, Conny, uma filha de italianos - quer mais paulistano que isso? - desandou a falar e explicar detalhes e curiosidades da barulhenta metrópole.

Já na partida, na rua Boa Vista, foi dito que o espaço recebeu esse nome justamente porque, antes dos altos prédios ali instalados, tinha-se uma excelente visão de todo espaço onde hoje estão o Parque D. Pedro e a 25 de Março. Já a Ladeira Porto Geral foi batizada assim já que lá embaixo, no pé da rua, havia um porto onde barcos navegavam no hoje aterrado Rio Tamanduateí. Ali, descarregavam-se mercadorias que iam direto para as Ruas da Quintanda e do Comércio.

Mais à frente uma revelação. A igreja construída no Colégio São Bento não recebe o mesmo nome do santo. Ali está a Basílica de Nossa Senhora da Assunção, datada de 1914.

Ao subir a Libero Badaró, as excentricidades do Edifício Martinelli foram reveladas. Após uma onda de apavoro por parte dos moradores devido à altura do edifício, o proprietário construiu uma mansão, no topo do prédio, para provar que a sua obra era segura. Por ali morou anos, mesmo sob a desconfiança de muitos de que um dia tudo pudesse ruir. Hoje o prédio é aberto para visitação.


O famoso Viaduto do Chá, o próximo ponto, foi o primeiro pedágio da cidade. Ele foi construído para unir o centro velho (região da Sé) com o centro novo (região da República). Na época, plantações de chá localizavam abaixo de suas estruturas, daí o nome. Dali pode-se avistar o Edifício Mirante do Vale, imponente logo atrás do Viaduto Santa Efigênia. Esse sim é o mais alto da cidade, e não o Itália como se espalhou.

Ao passar pelo Teatro Municipal fiquei imaginando como 300 carros puderam congestionar a cidade. Sim, em sua inauguração, em 1911, a aristocracia paulistana decidiu sair de casa fazendo com que esse número - hoje risível - transformasse tudo em um caos. Na São João com Ipiranga - sim, irei falar da música do Caetano - recebi a informação de que o cantor, junto com outros bambas, lanchava por ali em um estabelecimento que era o point. Daí para a inspiração foi um pulo.

Já em torno da Praça da República - cenário da Revolução de 1932 onde vários estudantes morreram em combate com a polícia - pude vislumbrar melhor o Colégio Caetano de Campos. Em formato de letra E de Educação - novidade, hein -, as fortes estruturas desenhadas por Ramos de Azevedo quase vieram abaixo na construção da estação do metrô instalada na praça. Só não foi possível porque um advogado entrou com uma ação impedindo tamanho absurdo. Pena que o Palacete Santa Helena, que um dia existiu nas redondezas da Praça da Sé, não teve a mesma sorte.

Já percebeu que o prédio da prefeitura, ali na Praça do Patriarca, tem as iniciais "MMM" abaixo de suas janelas? Ex-propriedade de Conde Matarazzo (o primeiro M), o prédio foi construído por Marcelo Piacenttini (mais um), que era admirador de Mussolini (o terceiro). Ah, sim: consta ser o maior prédio do mundo feito em mármore travertino romano, além de ter em seu alto um jardim com árvores frutíferas, plantas ornamentais e um pequeno lago com carpas.

Dali para o Largo São Francisco é um pulo e um teste. Já parou exatamente em frente à Igreja de São Francisco e olhou diretamente na direção do Largo São Bento? Em linha reta, a visão dá direto na Basílica de Nossa Senhora da Assunção (a que falei logo acima). Intencionalmente, elas foram construídas em linha reta e sem obstáculos justamente para uma congregação poder avistar a outra.

Quase no finalzinho, ao passar por trás da majestosa Catedral da Sé e sua cúpula verde, descobre que de verde ela não tem nada. A cor é resultado por causa da oxidação do tempo, e não de tinta.

Atualmente, algumas agências fazem passeios de ônibus pelo centro da cidade. Caso opte por um deles, ou simplesmente ande de coletivo mesmo, passe a observar o que a cidade revela. Pode ser surpreendente.

Quem é o colunista: Alessandro Fiocco.

O que faz: Jornalista e dublê de várias outras funções.

Pecado Gastronômico: Louco por pastéis. Mas também apreciador de um bom risoto e de uma boa massa.

Melhor lugar do mundo: O centro de São Paulo desvendado a pé; minha casa para ficar jogado.

Fale com ele: [email protected].

Atualizado em 6 Set 2011.