Guia da Semana

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Entre uma entrega e outra, entre vias da cidade, carros no meio-fio... Lá estão eles. Em duas rodas, os motoboys percorrem a cidade correndo contra o tempo. Um projeto, iniciado em 2007, garantiu voz e consciência social a um pequeno grupo pertencente a essa classe. Com o Canal Motoboy, profissionais andam por São Paulo munidos de celulares com câmeras e fotografam, gravam e publicam o cotidiano de suas vidas. Tudo que é registrado ganha as páginas do Canal em tempo real no endereço www.zexe.net/SAOPAULO/.

A ideia teve início com o artista plástico contemporâneo espanhol Antoni Abad. Após ceder celulares com câmeras a componentes de diferentes comunidades pelo mundo - garotas de programa em Madri, taxistas no México e deficientes físicos em Barcelona -, ele chegou a São Paulo e reuniu um grupo de motoboys para realizar o trabalho no Brasil.

Abad estudou a capital paulista por quatro anos e escolheu a visão e o cotidiano dos motoboys para ser transformada em arte. Na época, cerca de 13 profissionais percorreram a cidade, filmando e fotografando momentos de sua rotina, com um olhar diferenciado. Os registros foram, mais tarde, separados e publicados na internet, além de reunidos e expostos em uma mostra. Hoje, a quantidade de componentes varia de dez a 20 motoboys a cada reunião.

Novo Olhar

Em cada encontro, Eliezer Muniz dos Santos e seus companheiros escolhem temas que serão abordados durante a semana e discutem questões que são importantes para a classe ou que estão em voga. Os assuntos são os mais variados: acidentes, arte urbana, educação, buracos, ecologia, violência, abandono e, claro, trânsito. Com suas imagens e vídeos, eles também podem ajudar veículos de comunicação.

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"Temos, por exemplo, o canal Cidade Limpa. Ao contrário do que sugere o nome, os nossos colaboradores postam fotos e vídeos do descaso dos políticos e da população com o meio ambiente. Registramos todo tipo de lixo e sujeira pela cidade", explica Muniz. Desses temas surge a ideia de que o Canal Motoboy também presta um serviço não só à categoria, mas à população. "Com o projeto, é possível atentar as pessoas e quem governa para situações que não ganham a grande mídia, que não têm espaço nos jornais", completa.

Contrapartida

Porém, Eliezer deixa claro que o grupo, apesar do reconhecimento e do apoio inicial, sobrevive somente com suas próprias economias. Celulares, créditos, conta, manutenção do site e tudo o que é investido para a ampliação e divulgação do projeto sai do bolso de cada um. "Quando conseguimos criar algum evento como a Semana de Cultura Motoboy ou exposições de nosso trabalho, tanto o gasto quanto o lucro é rateado entre todos", explica.

Por isso, os participantes do grupo consideram o resultado muito mais ideológico do que propriamente financeiro. Para eles, a divulgação do projeto em diversas mídias ajuda a mostrar o outro lado de uma visão pré-concebida que muitos possuem do profissional - na maioria das vezes, os motoristas que dividem as faixas de vias com eles. "O Canal é uma maneira de unir a categoria dando voz a ela, uma forma de abrir a discussão sobre assuntos que vão além da nossa rotina. Questões como a regulamentação da profissão dos mototáxis", afirma Eliezer. Ele também aponta que o Canal é um meio para a criação de projetos de cultura, meio ambiente e formação profissional.

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Ser Motoboy

A correria de uma metrópole como São Paulo não permite que uma classe como a dos motoboys tenha vida fácil. São encomendas, produtos e documentos que devem ser entregues em perfeitas condições e no prazo. "Costumo dizer que você só se torna motoboy depois de ganhar uma experiência de dois anos na loucura do dia a dia. Com esse tempo, é possível você conhecer os obstáculos, as armadilhas e a malícia de ser um bom motoboy", opina o professor.

A nova geração da categoria quer mostrar serviço, garantir o emprego e, por isso, abusam no trânsito, esquecendo até mesmo da própria segurança. "Não são apenas as péssimas condições das avenidas, os motoristas desavisados ou mesmo os motoboys desenfreados. Cada um de nós deve pensar que possui família, amigos e pessoas que nos querem bem e a quem devemos retornar todos os dias. Não é fácil persistir nessa vida por muito tempo. O trânsito enlouquece, a correria acaba com o sossego e hoje os motoboys estão cansados", completa Eliezer. Mas, para ele e para muitos outros, a profissão garante algo que é difícil de ser encontrada: liberdade.

Atualizado em 6 Set 2011.