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Foto: scx.hu |
A economista Silvia Maria Schor, que atua políticas de desenvolvimento, pobreza e desigualdades, observa que, além da perda de emprego, existem outros fatores comuns a essas pessoas: "Ao ouvir os relatos dos moradores de rua, percebemos que o alcoolismo e a quebra de vínculo familiar são presentes na maioria das histórias. A ordem dos fatos muitas vezes se inverte e o peso varia de acordo com o relato pessoal de cada um. Mas, na minha observação pessoal, essa realidade é coincidente a uma grande parte deles", ressalva.
Mesmo com conhecimento dos projetos de amparo e acolhimento à essa população, Silvia acredita que a melhor forma de lidar com o problema, em primeira instância, é se apoiar na rede de proteção familiar. No caso de rompimento da mesma, ela aconselha que as pessoas procurem a rede de proteção social, evitando a alternativa de ter que ir para às ruas. "O fato mais preocupante é quando as pessoas vão para as ruas, de fato. Pois, quanto mais o tempo passa, mais difícil fica para reverter a situação. E isso, sem dúvidas, agrava o quadro do que chamamos de morador de rua crônico, que são indivíduos que passam por um estágio de retrocesso e comodismo, devido à convivência nas ruas, sendo, por exemplo, desapropriados de ofícios exercidos anteriormente, realidade que os empurra cada vez mais para as margens da sociedade", avalia.
Uma história de vida
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Foto: Sebastião Nicomedes |
"No princípio, eu acho que não tinha elucidado o que havia acontecido comigo. Tinha a impressão de viver um pesadelo insone; nos dois primeiros dias, o medo e vergonha me impediam de dormir. A partir do terceiro dia, eu já tinha perdido a questão dos princípios e o cansaço dominou o corpo, passei a dormir durante o dia e noite", recorda.
Comum à rotina de moradores de rua, o desprezo constante da sociedade passou a fazer parte da vida de Sebastião. "Era comum que as pessoas passassem por mim, xingando e discriminando a minha situação. Em alguns casos, ainda que eu tivesse dinheiro para comprar um alimento, era enxotado dos lugares, feito uma aberração. Eu vivia em liberdade vigiada, me sentia eternamente perseguido, como se qualquer um tivesse o direito de me dispensar maus tratos", conta.
Não obstante às dificuldades, Sebastião superou essa fase. Inspirado pela cultura urbana, ele foi acometido pelo dom da literatura. "Certo dia um senhor me pediu que relatasse um diário dos moradores de rua para dividir essa realidade com outras pessoas, resolvi atender o pedido para tornar público um problema da sociedade, pois não é aceitável que as pessoas continuem vendo, sem enxergar, achando absolutamente normal o fato de uma parcela da população viver nas ruas, pois essa realidade não é comum, tampouco digna", reflete.
Sebastião exerceu os ofícios de entregador de revistas e carroceiro, mas logo teve seu talento reconhecido, quando seu texto Diário dum Carroceiro ganhou os palcos do teatro Fábrica São Paulo. O espetáculo, dirigido por Iara Brasil, foi o primeiro do gênero a estrear no circuito profissional. A peça é um monólogo que narra a rotina de um carroceiro, durante as festas de fim de ano
Depois três anos vivendo ao relento, Sebastião abandonou as ruas e reconquistou sua dignidade. Hoje, ele atua como roteirista, milita em frentes políticas em prol da população desabrigada e catadores de lixo e tem proposta de trabalhar como arte-educador no projeto alfabetização solidária.
*Confira a peça Diário dum Carroceiro , em cartaz no teatro Sérgio Cardoso.
Atualizado em 6 Set 2011.