Guia da Semana

Fotos: Luciene Cimatti


Trabalhar no centro de São Paulo é uma aventura e tanto. Sinto-me privilegiada por morar perto do trabalho, podendo ir a pé, escapando do trânsito assustador da cidade. Numa dessas caminhadas num dia de sol decidi registrar meu percurso, fotografando o que vejo pelo caminho, o belo e o feio que se misturam na metrópole que cresce a cada dia e cuja região central pulsa para todos os lados.

Em plena sexta-feira no horário comercial, tento abrir caminho entre a multidão. Ainda bem que não estou atrasada, embora todos pareçam estar. Depois de alguns minutos de caminhada a avenida São Luiz se abre diante de mim. Observo com outros olhos o contraste dessa rua ampla, cercada de árvores, cujas sombras desenham as calçadas; prédios antigos e luxuosos, joalherias, lojas de alto nível, um verdadeiro boulevard no meio da decadência da região. Minha intenção era fotografar a biblioteca municipal, local que costumava freqüentar há tanto tempo, quando a internet nem era uma opção. O prédio está em reforma e não é possível entrar, mendigos dormem logo na entrada, sem se importar com a impossibilidade da leitura.

Há várias opções para se chegar ao miolo da rua 24 de Maio, onde trabalho. Sigo pela rua Xavier de Toledo, em direção ao Teatro Municipal. Passo por um sebo de livros e entro na livraria antiga, que possui verdadeiras relíquias. Pergunto-me se todos perderam o prazer de folhear um livro, ou se sou eu que sem querer adquiri o hábito de ler na tela fria de um computador. Saio da livraria e atravesso a rua para fotografar o prédio antigo e imponente do shopping Light. O Viaduto do Chá fervilha nessa hora do dia. Jorram pessoas de todos os lados; diferentes raças, classes e estilos brilham sob a luz do sol, correndo em busca de seus destinos, que se cruzam no centro da cidade. Em frente ao Teatro Municipal, Fernando Pessoa sorri e acena para mim quando coloco dinheiro na caixinha. É uma estátua viva, que se move ao tilintar de cada moeda, para deleite do público que a observa curioso.

Fotos: Luciene Cimatti


Enfim, quase chegando ao meu destino, entro na rua 24 de Maio, passando pelo shopping center Grandes Galerias, mais conhecido como Galeria do Rock, templo antigo dos amantes desse estilo de música, que podem adquirir discos raros, camisetas, bonés e tudo o que permeia essa cultura. Seguindo adiante, observo as pessoas que, como eu, lutam por um lugar na calçada ou no meio da rua, desviando da infinidade de ambulantes em barraquinhas que vendem de tudo, lutando pela subsistência em uma cidade muitas vezes cruel.

Acho curioso observar as cores do centro, formadas pelos grafites coloridos sobre as paredes, pelos produtos à venda nas barracas ou pelas roupas usadas pelos tipos inusitados que circulam na região. Atribuo o colorido do local particularmente às frutas que inúmeras lanchonetes exibem como cartão de visitas, onde servem sucos naturais. Aliás, tomar um suco fresquinho é coisa rara mundo afora. Faz parte das delícias de se viver em um país tropical.

O centro também tem música. Quando ouço o saxofone que entoa a Aquarela do Brasil, me dou conta de que é ele que embala as minhas tardes, e eu nem sabia. Percebo que estou chegando ao meu destino.

Feliz por desfrutar de tantas riquezas que o centro oferece, chego para mais um dia de trabalho. Seria bom se a região fosse mais limpa, mais cuidada e mais segura. Mas sinto que o velho centro ainda tem muito a oferecer, e vai continuar abrigando tanta gente, em suas ruas apinhadas, exibindo a beleza e cansaço de seus prédios antigos, arrancando sorrisos e esperanças de quem sobrevive na região, apesar de esquecida por quem a administra.


Quem é a colunista: Alguém que adora animais, escrever, fotografar, passear por aí.
O que faz: Jornalista e professora de inglês
Pecado gastronômico: Todas as massas e muito chocolate.
Melhor lugar do mundo: Minha casa ao lado dos meus bichos. Ah e tem também a praia de Garopaba em SC.
Fale com ela: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.