Guia da Semana

Foto: Lúcio Martins Rodrigues


Embora em toda a América Latina exista uma enorme distância cultural entre pobres e ricos e, sobretudo, entre a população rural mais desfavorecida, "cabocla", e aquela parcela da qual você provavelmente faz parte - a classe média urbana -, essa diferença é muito mais visível em países como o Peru e a Bolívia do que no Brasil.

Em qualquer canto do Brasil, mesmo no "sertão do sertão" (com exceção apenas de raras tribos isoladas da floresta amazônica), apesar da existência de sotaques e expressões regionais, todo mundo fala português e se considera um mesmo povo: o brasileiro. No Peru e na Bolívia, porém, mesmo a população índia que tem contato regular com os "brancos" conserva sua língua e seus costumes - quéchua ou aimará - e muita gente, em comunidades serranas, mal consegue se expressar em espanhol.

Lembro-me de um episódio ocorrido em uma de minhas viagens pelos países andinos quando, nas proximidades de ruínas que eu visitava, um menino índio quis me vender peças de artesanato. Eu viajava de mochila e expliquei-lhe que não tinha condições de transportar o que ele queria me vender, nem dinheiro para comprar. "Por supuesto que tienes plata...Tu eres gringo!".

Não gostei nem um pouco de ser chamado de gringo, pois isso me soava ser equiparado a certos turistas arrogantes (que, felizmente, não constituem a maioria). "No soy gringo. Soy brasilero, soy de Sudamerica". O garoto balançou a cabeça: "Eres gringo". Não houve o que eu pudesse fazer para convencê-lo de que eu não era.

Comentei o caso com um amigo peruano. Ele me explicou que, para a população de origem índia, mesmo ele, um peruano descendente de europeus, que não entendia uma palavra de quéchua, era gringo. Deu-me um tapinha amistoso no ombro: "Não se ofenda. Gringos são todos os estrangeiros. E todos os que pertencem a outras culturas. Não é necessariamente pejorativo ser chamado de gringo".

De fato, alguém da classe média peruana ou boliviana com formação universitária, que tem conta em banco, celular e internet, tem muito mais afinidade cultural com você, leitor, do que com a maioria de seus compatriotas quéchuas ou aimarás. Por isso, você, brasileiro, que for visitar Peru e Bolívia, deve se conformar em ser um gringo.

O importante é não se comportar como um gringo no mau sentido. Há estrangeiros que não respeitam a cultura local e seus valores. Já vi turistas (inclusive mochileiros pretensamente "cabeça") chegarem a igrejas de aldeias rindo, fazendo piadas racistas em inglês, falando alto e metralhando com flash as pessoas que rezavam. Não é à toa que certos peruanos e bolivianos desprezam os gringos. Mas, se você for cordial e respeitoso, quando estiver se afastando, um poderá comentar com o outro: "Simpático, esse gringo". E o outro responderá: "É porque é um gringo brasileiro!".

Leia as colunas anteriores de Lúcio Martins Rodrigues

Onde se hospedar em Paris

Mulheres que viajam sozinhas

Baladas para as tribos


Quem é o colunista: Lúcio Martins Rodrigues.

O que faz: Editor dos guias de viagem GTB, autor de A Vaca na Estrada.

Pecado Gastronômico: Centollas à Provençal.

Melhor lugar do mundo: Paris.

Fale com ele: acesse o site Manual do Turista.



Atualizado em 6 Set 2011.