Guia da Semana

Fotos: Luciene Cimatti


Avistei encantada o palacete que anunciava a minha chegada à Vila Itororó, a primeira vila da cidade de São Paulo, hoje divulgada como uma das atrações do bairro da Bela Vista, o Bixiga. Caminhando pela rua Martiniano de Carvalho, logo saltam aos olhos as estátuas e colunas do casarão antigo, que destoam do restante do local.

Depois do fascínio inicial pelo porte da construção monumental que um dia já foi luxuosa, a realidade surge subitamente, destacando o abismo entre o auge do passado e a degradação do presente. Assim como eu, havia no local alguns visitantes despreparados, sem entender bem o que é a Vila Itororó hoje, ou o que restou dela. Um cortiço pra lá de extravagante.

O portão está aberto e desço a escada que dá acesso à vila. Deslumbrada com os detalhes da construção antiga, que traz esculturas de animais, deusas e rostos, lembrando um templo grego, e chocada com a pobreza do local, vou descendo e fotografando.

Vejo mulheres lavando roupas, crianças brincando, cachorros correndo, mães levando os filhos para a escola, outras pessoas saindo para o trabalho, alheios ao pedaço da história que sua vila carrega. Não deixo de me sentir uma invasora, bisbilhotando o cotidiano dos moradores. Mas percebo que parecem estar acostumados, já que olhares curiosos estão sempre presentes por ali, tentando entender o contraste dessa realidade.

Hoje em ruínas e correndo o risco de desabar, apesar de tombada como patrimônio histórico, a Vila Itororó foi construída em 1922, pelo imigrante português Francisco de Castro, que a planejou e edificou com materiais de demolição. A construção localiza-se na antiga nascente do riacho Itororó, que formava um vale com o mesmo nome.

A vila representava o apogeu do bairro da Bela Vista, com 37 casas menores ao redor de um palacete de quatro andares, a primeira residência particular a possuir uma piscina na cidade, conhecida como Casa Surrealista, pela ousadia da construção. A maioria das estátuas e colunas foi reaproveitada a partir da demolição do teatro São José, um dos primeiros de São Paulo.

Após a morte de Francisco de Castro, na década de 1950, a vila foi leiloada e arrematada por credores. Mais tarde, o conjunto foi doado a uma instituição beneficente, que ainda é considerada sua proprietária. Hoje constam que mais de 70 famílias habitam o local em condições precárias, algumas em casas mantidas pelos próprios moradores, outras em cortiços, em casas subdivididas por placas de madeira e papelão, onde vivem há muitos anos.

Apesar de haver por volta de 200 moradores na vila, tenho a impressão de não estarem receptivos para falar sobre a situação do local. Tento fazer um contato, mas os olhares se desviam e todos parecem ter pressa ou estar ocupados.

A Secretaria de Habitação declarou em 2005 que a Vila Itororó faria parte do Programa de Recuperação de Cortiços, e em 2006 foi anunciado que seria criado um pólo cultural na vila, pela Secretaria Municipal de Cultura, com espaço para atividade de educação, cultura, turismo e lazer. No entanto, o que se vê hoje são imagens de descaso e abandono, com pedaços do passado sendo lentamente apagados da memória da cidade.


Quem é a colunista: Alguém que adora animais, escrever, fotografar, passear por aí.
O que faz: Jornalista e professora de inglês
Pecado gastronômico: Todas as massas e muito chocolate.
Melhor lugar do mundo: Minha casa ao lado dos meus bichos. Ah e tem também a praia de Garopaba em SC.
Fale com ela: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.