Guia da Semana



Há alguns dias, visitei um debate sobre cinema versus psicanálise, atraído pelo convite de um grande amigo e, principalmente, pelo tema tão intrigante quanto sedutor: o amor feminino sob a ótica do filme Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen.

A discussão aconteceu no Aprendhere, centro de psicologia que, além da clínica, oferece cursos de extensão universitária e eventos como o CinePsi, quando o cinema esquenta a conversa para o estudo do inconsciente. Alguns quilômetros e um oceano de automóveis nos separavam e exigiram alguma fé no humor turrão do ilustre nova-iorquino (trompetista de mão cheia) para chegar no horário. Ou quase. Um agradecimento terno aos governantes de todas as épocas e espécies pela tara mal resolvida por automóveis.

Freud explica? Quase. Afinal, quem conduziu as discussões ao lado do jornalista e cinéfilo terminal Leonardo Freitas foi a psicanalista Cristiane Mendes, especialista na teoria de Jacques Lacan, neurologista e psiquiatra francês que, no século passado, foi celebrado como o mais importante discípulo de Freud. Diante da multiplicação de interpretações, Lacan propôs um retorno literal às lições do mestre. De suas contribuições, me chamou a atenção leiga o paralelo entre linguagem e inconsciente.

Uma ponte que guarda relação direta com Vicky Cristina Barcelona e também explica um certo deslumbramento meses atrás quando, desavisado, pensei ser um filme de Almodóvar. Cinéfilo cru, me deixei confundir pelo inesperado: cores, diálogos, trilhas, a latinidade inflamada e, principalmente, uma improvável sutileza no trato com o interior psicológico das personagens femininas.

O enredo gravita as jovens americanas Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson), em Barcelona nas férias de verão. A primeira é a pragmática noiva-com-casamento-marcado em uma pós-graduação protocolar na Europa. A outra é a alma solta em busca de uma vocação ou do que vier. Lá elas conhecem o pintor Juan Antonio (Javier Bardem), sedutor às voltas com a ex-esposa temperamental e explosiva, a também pintora Maria Elena (Penélope Cruz).

Woody Allen parece projetar convicções passionais incrustadas sob infinitas camadas de seu famigerado existencialismo sarcástico. Especialmente nas inserções do narrador, um filtro que revela e esconde para projetar conflitos entre concepções sobre relações humanas como sugestivas sombras na parede. Atuações impecáveis, especialmente de Cruz e Bardem.

Após a exibição e considerações iniciais, a palestra tomou ares de debate. A maneira heterodoxa com que as personagens se relacionam instiga o depoimento pessoal, combustível para questionamentos e entendimentos. Flertes com a antropologia: patriarcado, opressão e masculinização da "mulher independente", experiências e papéis.
Fidelidade, honestidade, amor.

Os debatedores conduziram bem a experiência e corretamente deixaram para o final interrogações ao invés de pontos finais. O lugar é um ambiente perfeito para quem se interessa pelos temas da psicologia e do comportamento. Três horas e pouco passaram rápido e povoaram pensamentos por dias. Tempo ganhado.

Aprendhere
Endereço: Rua Serra de Botucatu, 1209, Tatuapé (próximo ao metrô Carrão).
Horário: de segunda a sexta das 9h às 21h; sábado das 8h às 14h.
Contato: (11) 2294-1765.

Leia as colunas anteriores de Rafael Gregório:

Destinos na grande cidade

Revigorada

As muitas provocações


Quem é o colunista: Rafael Martins Gregório.

O que faz: Jornalista, músico, advogado e escritor.

Pecado Gastronômico: Pizza, chocolate, sorvete.

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Atualizado em 6 Set 2011.