Guia da Semana

Foto: Julian Marques


Em meio aos arranha céus das grandes e pequenas cidades, ali está ela. Basta atravessar a rua ou observar ao redor, que nos deparamos com a propagação da arte urbana, expressa nas mais variadas formas: instalações, grafitagem, stickers, lambe-lambes, aerografia... Aos olhos que filtram as imagens surgem as indagações: Arte? Ousadia? Liberdade de expressão?

Por traz dos traços das mensagens, que contemplam o cenário comum a todos, sendo subjetivas ou não, artistas se revelam das maneiras mais inusitadas, usando como tela vitrines públicas. E foi assim, nas idas e vindas pela capital paulistana, que Alexandre Órion pensou na possibilidade de dedicar sua vida a essa cultura urbanóide.

Segundo ele, a rua com seus elementos ímpares o convidava e instigava a intervir mas ao mesmo tempo lhe surgia o receio: "a cidade é um santuário, pra atuar nele é preciso ser correto o suficiente, queria me transformar em um tradutor do universo urbano, uma antena que capta, filtra e devolve o discurso de maneira mais compreensiva", justifica.

Ossuário Órion
Depois de amadurecer algumas idéias, Órion resolveu protestar contra a sujeira e poluição presentes em São Paulo, transformando o túnel da avenida 9 de julho em um ossuário.

Foram 13 madrugadas de trabalho intenso. Munido de dezenas de pedaços de pano, o artista plástico iniciou a limpeza das paredes internas da caverna urbana, que apresentava um aspecto escuro resultante de toneladas de fuligem expelidas pelos escapamentos dos veículos. Aos poucos, o trabalho tomava forma. E, na parte limpa, foram surgindo desenhos de caveiras. Ele calcula que tenha feito pelo menos 3 mil delas em 250 metros de extensão.

Ossuário Órion
Foi a maneira que Órion encontrou de contestar a sujeira de São Paulo, sem depredar o patrimônio e sem infringir a lei, já que pichar é proibido. "Mas limpar não é", diz o artista, justificando que, se a prefeitura não se agradasse, bastava acabar de limpar. E foi o que aconteceu, quando dois carros-pipa jorraram água sobre as paredes, eliminando em minutos, a catacumba construída pelo artista, que não lamenta o ato de censura das autoridades. "Depois disso, a prefeitura lavou todos os túneis da cidade. Penso que a atitude foi positiva em algum aspecto", relata.

Questionado sobre a função das mensagens transmitidas pela arte de rua, Órion diz que tenta dar o recado com uma linguagem simples para o coletivo e considera qualquer intervenção em espaço público como ato político. "Quando você decide ser um artista de rua, é preciso pensar no todo, ser despretensioso. A gente não tem compreensão do que possa ser uma vivência urbana. Ver andarilhos a ingerir uma pomba recém atropelada nos coloca situações que, em outra esfera, podem parecer surreais. Por isso, para expor a arte em um espaço urbano é preciso acima de tudo respeitar esse universo que compreende a rua, pois ele tem muito mais a nos oferecer do que o contrário", analisa.

Enquanto isso...
Agindo em outros pólos da cidade, mas não menos ousado, o artista Eduardo Srur também dá seu recado, ao intervir nos espaços urbanos. Com estilo provocativo, sua arte se caracteriza por dialogar com elementos históricos e memoráveis.

Âncora Srur
Contido de audácia, Srur personalizou o famoso Monumento às Bandeiras, em São Paulo, ao pendurar nele uma âncora. Ele explica que a idéia da instalação era se apropriar do símbolo que representa o desenvolvimento paulista, determinando as novas regras da arte contemporânea.

Uma maneira audaz de, literalmente, fincar sua marca. E, como se testasse seus próprios limites, ao ser abordado por autoridades policiais, o artista urbano, sutilmente, respondeu que o tal ato estava autorizado e se retirou.

Caiaques Srur
Em uma outra fase de seu trabalho, inspirado pelas causas ecológicas e deficiências da cidade de São Paulo, Srur espalhou cem caiaques "conduzidos" por 150 manequins em um trecho do rio Pinheiros, no centro da capital paulista.

Ele explica que, dessa vez, a intenção era chamar a atenção para esse símbolo urbano que ele intitula como "esgoto a céu aberto". E, mesmo sendo notório pela extensão e odores emitidos, Srur considera o rio como um vácuo esquecido na cidade. Além disso, o artista explica que tentou fazer um resgate histórico, já que, na década de 30, o local foi cenário de competições de regata, com barcos a vela e remo.

Outras formas
Adepta das colagens e pintura com latex, a artista Fefê Talavera procura nas ruas uma energia mais emocional do que teórica. Sua arte é determinada pela criação de animais fortes e de grande impacto estético, que povoam diversos cantos de São Paulo e alguns lugares no mundo.

Arte Fefe
"Comecei pintando com canetão, depois mudei pro stencil, logo estava pintando atrás dos posters e no final descobri que as letras dos posters onde eu pintava eram maravilhosas. Foi então que tive a idéia de recortar essas imagens e fazer as criaturas que faço hoje", relata.

Fefê vê os espaços urbanos vitrines democráticas, já que qualquer pessoa, sem restrição de classe, idade ou etnia pode conferir o trabalho dos artistas que expõem nele. Além disso, ela se diz uma adepta da arte urbana pela liberdade de temática e geográfica que a rua oferece.

Lei Cidade Limpa x Arte de rua
No início de 2007, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou o Projeto de Lei Cidade Limpa, que dispõe sobre a ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana do município, com novas regras para a publicidade exterior e no objetivo de acabar com a poluição visual na cidade, "quer seja artística ou para outros fins". O que será que os artistas urbanos pensam a respeito?

O posicionamento dos urbanóides formam um jogo cruzado de opiniões: Eduardo Srur diz que seu processo de trabalho não tem relação com a mídia exterior. Portanto, é conivente com o regulamento e considera uma tentativa ousada e sensata da Prefeitura de devolver a cidade para os cidadãos.

Com outro ponto de vista, Alexandre Órion concorda com a lei pelo sentido de ser contradizente a ela. "A marginalidade é bem vinda. Prefiro idéias que proíbam a leis que apóiem a arte de rua, que tem a sua essência na provocação. Esse é o espírito", ressalta.

A artista Fefê Talavera é contra a emenda e contesta: "cidade limpa não é acabar com a arte urbana, cidade limpa é muito mais que isso, nós artistas não vamos parar por causa disso, somos artistas e criamos, a cada segundo. Essa não é a solução, quer cidade limpa? Dê à população mais cultura, respeito e educação".

*Confira a mostra A Conquista do Espaço, com trabalhos de artistas urbanos internacionais e nacionais, como Alexandre Órion e Fefê Talavera, em cataz nos complexos Sesc Pinheiros e Pompéia, até 23 de setembro.

Atualizado em 6 Set 2011.