Guia da Semana

Ferreira Gullar disse uma vez que a arte existe porque a vida não basta. Essa é uma das mais simples e precisas definições dos muitos significados que a arte possui, que retrata uma linguagem com infinitas possibilidades para refletir o mundo ou até mesmo criar outros, dentro ou fora de nós.

Assim também podemos compreender o trabalho do artista de 29 anos Marcelo Tolentino que, através de pinceladas e um olhar apurado, nos faz viajar no imaginário e no irreal - o que se mistura com o cotidiano, deixando as cores mais vivas, as vozes mais suaves e o amor mais amado, nos provocando a parar no tempo não apenas para apreciar suas obras, mas para prestar atenção nos detalhes da vida.

Envolvido com a arte desde pequeno, inicialmente pelo desenho, aos 14 anos de idade já estava matriculado na Escola Panamericana de Arte e, sem dúvidas, a admiração pelo pai fez com que a habilidade crescesse, tornando-se quase que um novo sentido de seu corpo, algo que faz parte de seu funcionamento como pessoa, "tenho uma memória infantil muito forte de invejar alguns dos desenhos que meu pai fazia para mim e meu irmão. Desde então tenho essa busca por desenhar mais e melhor. A busca perdurou e acabou se tornando a maneira mais confortável que encontrei para expressar minhas ideias e visão do mundo”, lembra.

Curioso, sempre gostou de se arriscar em diferentes técnicas, seja de forma autodidata ou buscando cursos de técnicas variadas. Quanto à temática, o retrato humano e cenas comuns do dia a dia são as mais presentes - o que faz de seu processo criativo ainda mais interessante e instigante.

Porém, ninguém nasce artista e, assim como Ferreira Gullar e tantos outros, Marcelo tornou-se um artista, que ainda experimenta, arrisca, aprende e, aos poucos, tem amadurecido seus traços e sua posição no universo da arte.

Acompanhe a entrevista e saiba mais detalhes sobre sua vida e trajetória profissional:

Formação e trajetória profissional

Quando eu fiz 14 anos, meus pais me matricularam na Escola Panamericana de Artes. Já na época eu tinha um certo receio de me profissionalizar como artista e acabei buscando caminhos alternativos como o design gráfico e a publicidade. Na minha cabeça eram mais seguros e ainda permitiriam que eu continuasse empregando o lado artístico no trabalho. Me formei em Comunicação Social pela ESPM e, desde 2007, trabalho em agências de publicidade como diretor de arte. Agora estou num momento de transição onde acabei de decidir abandonar a publicidade um pouco para focar 100% da energia nas pinturas.

Você tem alguma influência? Algum artista contribuiu para seu crescimento profissional?

Tenho várias. Vão desde quadrinistas que eu copiava na infância, como Jim Lee e Todd McFarlane, até grandes nomes da pintura como Lucian Freud, Edward Hopper e Alberto Giacometti. Agora o que mais influencia meu trabalho na prática é andar pela rua observando tudo e interagindo com os mais variados tipos de pessoas.

Você desenha, pinta... se aventura por mais alguma área?

Como disse, sempre fui muito curioso. Já me aventurei pela música, mas era um baixista sofrível, passei pela marcenaria também sem muito sucesso, e estou em débito com a escultura, que estudei por um tempo e pretendo voltar a praticar. Mais recentemente tenho colocado no papel algumas ideias de literatura infantil.

A arte tem como uma de suas metas refletir o contexto social de sua época. Nos tempos atuais, o que ela reflete sobre o mundo em que vivemos?

Meu interesse é em retratar figuras anônimas da cidade. Em geral recortes que passam batidos pelo olhar apressado das pessoas no dia a dia frenético de São Paulo. Nesse sentido, acho que consigo trazer a atenção do espectador com o poder contemplativo da pintura para cenas e pessoas invisíveis.

Como nasceu o projeto "O Mundo Seria Mais Legal"? Como é o processo até as publicações?

Em 2012 estava morando nos EUA e minha casa tinha aquela caixinha de correio tradicional. Um dia, passando por ela, eu pensei que "o mundo seria mais legal se todo dia chegasse um cartão-postal". Achei graça na riminha e daí em diante fui anotando inúmeras situações rimadas para um mundo mais legal. Essas rimas ficaram guardadas num caderno e esse ano resolvi desenterrá-las criando um perfil de instagram (@omundoseriamaislegal) onde posto semanalmente alguma situação nova. Alguns amigos e pessoas que viram gostaram tanto que começaram a mandar frases, então eventualmente venho ilustrando essas frases que recebo também.

Já pensou em ilustrar um livro? Aonde quer chegar?

Literatura infantil é um meio que tenho grande interesse, especialmente os "picture books" que se resolvem com pouquíssimas palavras ou mesmo sem esse recurso. Tenho algumas histórias criadas e duas já em produção, que espero conseguir publicar ainda este ano.

Tem algum tipo de ritual para começar a criar?

Não considero um ritual, mas faz parte do meu processo fotografar muito ao longo do dia e, sempre que possível, fazer alguns desenhos de observação que acabo incorporando nas cenas que pinto. Na hora de pintar mesmo, prefiro estar sozinho e gosto de trabalhar escutando música, que acaba até ditando o ritmo do trabalho.

Como você consome arte?

De todas as formas que eu consigo. O número de galerias e exposições em São Paulo tem aumentado consideravelmente, fora isso procuro participar de grupos de discussão com outros artistas, assistir a documentários e vídeos (tem muita coisa legal no youtube) e constantemente passar algumas horas em livrarias folheando os livros da seção de artes já que não tenho espaço pra levar todos pra casa.

O artista - seja desenhista, escritor, pintor, músico, fotógrafo - tem um olhar mais sensível do que as outras pessoas. O que te faz ter esse olhar diferente, onde consegue enxergar detalhes que passam despercebidos por tantas pessoas? Como o estimula?

Tenho uma certa dificuldade em responder essa pergunta já que a observação dos detalhes é uma condição automática para mim. Uma coisa que tem um grande impacto na minha produção artística é o fato de não dirigir, a velocidade de caminhar proporciona uma experiência melhor de observação e troca com outras pessoas que acabam inspirando os trabalhos.

Tem alguma dica para quem sonha em viver de arte e ainda não sabe por onde começar?

Como eu vou começar a viver de arte justo agora, não tenho muitas dicas. Aliás, se alguém tiver gostaria muito de ouvir. Nunca vivi de arte, mas nunca vivi sem arte, portanto se manter produtivo é o mais importante de tudo, se vai se tornar seu trabalho ou um hobby é consequência.

Acompanhe seu trabalho:

Meu instagram pessoal tem várias postagens do meu processo (@marcelotolentino) e tenho um site também onde coloco uma seleção menor de trabalhos. Para conferir o site oficial, clique aqui.

Por Nathália Tourais

Atualizado em 9 Mar 2016.