Guia da Semana

Depois de anos de monopólio masculino, Hollywood finalmente entendeu que protagonistas femininas podem ser lucrativas. Entendeu, também, que mulheres compõem metade do seu público (na verdade, são 51%) e que continuar insistindo no velho modelo de filmes com dois terços dos personagens masculinos (segundo um estudo feito em 2015) e de 60 a 90% dos diálogos escritos para eles (segundo este outro estudo) não só não é mais aceitável, mas também não é inteligente em termos de mercado.

Mas o que os estúdios estão fazendo com essa informação? O que eles deveriam fazer, em primeiro lugar, seria contratar mais mulheres para produzirem, escreverem e dirigirem os filmes – afinal, diversidade atrás das câmeras normalmente se traduz em diversidade nas telas. Isso, contudo, ainda não se tornou realidade, especialmente entre os blockbusters – mas está a caminho. A diretora do filme-solo da Mulher-Maravilha será uma mulher e... Por enquanto é só.

Novas protagonistas

O que os estúdios de fato estão fazendo para tentar abocanhar essa parcela do mercado é aumentar a quantidade de protagonistas femininas – o que é um grande passo, mas nem sempre significa que elas serão personagens bem desenvolvidas ou que o roteiro em que estão inseridas entende a mulher como um ser humano normal (e não como um acessório para as ações dos homens, como uma exceção notável ou como um perfeito alienígena).

Recentemente, muitos filmes têm inserido aqui ou ali uma personagem que exalta o fato de estar fazendo algo “que não se espera de uma mulher”, como uma piscadela para o público feminino dizendo “olha só como somos modernos” (dica: isso não funciona). Levando ao extremo essa tendência, também têm surgido as bizarras “versões femininas” de filmes com o elenco original masculino (vide “Caça-Fantasmas”, “Onze Homens e Um Segredo” – sim, há uma versão a caminho com Sandra Bullock e Jennifer Lawrence – e o repentino clamor popular por uma “Jane Bond”).

Para os não-iniciados, isso não é feminismo. Está mais para desespero.

Filmes que erraram feio


Alguns exemplos recentes deixam claro como Hollywood está tentando “forçar” o discurso igualitário ou empoderador sem, de fato, compreendê-lo. Em “Vizinhos 2”, o casal protagonista é vizinho de uma irmandade universitária (uma república feminina) que declama discursos feministas sem qualquer reflexão sobre eles. As meninas organizam festas onde meninos não são permitidos, fazem cosplay de mulheres fortes da história, realizam noites de filmes água-com-açúcar e, como protesto, arremessam absorventes usados nas janelas da casa vizinha. Mais uma vez, isso só reforça os estereótipos e aumenta o abismo entre homens e mulheres no cinema e fora dele.

Em “Alice Através do Espelho”, Alice aparece como comandante do navio de seu pai. Isso, de fato, é uma personagem forte, mas o fato de todos os coadjuvantes apontarem para ela e dizerem que “ela não deveria estar fazendo uma coisa de homem” torna sua posição algo incômodo e anormal. Quebra-se, assim, a mensagem positiva de que homens e mulheres podem ter as mesmas profissões e fica claro que ela é a exceção.

No primeiro trailer de “Equity”, drama sobre Wall Street com mulheres nos papéis centrais (ainda sem data para estrear no Brasil), uma personagem se abre num grupo 100% feminino para falar que “é um alívio que as mulheres possam falar sobre sucesso hoje em dia” e, em outra cena, ela diz para um homem que “homens gostam de garotas de quem eles possam cuidar”. Essa generalização e vitimização da mulher também não ajuda em nada na busca pela igualdade de gênero em cena.

Em “Jogos Vorazes” – franquia que desencadeou toda a discussão de gênero nos últimos anos em Hollywood –, Jennifer Lawrence interpreta uma protagonista muito interessante, movida a instintos e sem o idealismo tradicional do “herói”. Porém, ela perde toda a sua identidade nos últimos dois episódios ao se tornar reflexiva e inativa, até submeter-se ao papel de coadjuvante no confronto final e encerrar a série numa posição totalmente passiva.

Filmes que acertaram em cheio

Por outro lado, alguns filmes souberam explorar essa onda de feminismo com inteligência, apresentando elencos equilibrados e/ou personagens bem construídas, que não exaltam seu gênero para mostrar que são subversivas: “Mad Max: Estrada da Fúria” é o exemplo mais gritante de 2015. Apesar do título, a protagonista é uma mulher, que tem motivações fortes e habilidades excepcionais, mas que, como qualquer um, precisa de ajuda para conquistar seus objetivos. Max, nesse contexto, surge como um coadjuvante de peso, mas nunca se permite roubar a cena ou o crédito.

Em “Sicario”, Emily Blunt vive uma policial que tem dificuldades para realizar seu trabalho não por ser uma mulher, mas por ser idealista e incorruptível, num universo onde a polícia e o tráfico andam de mãos dadas. Sua identidade de gênero é citada, sim, na cobrança de seus colegas para que ela seja “mais bem cuidada” e “mais desejável”, mas isso em nenhum momento influencia em suas ações como profissional.

De olho no futuro


Se olharmos para as próximas estreias, o cenário parece promissor. “Rogue One: Uma História Star Wars” vai repetir a ousadia de colocar uma mulher no papel principal, depois da excelente Rey (Daisy Ridley); “Esquadrão Suicida” promete ter a Arlequina (Margot Robbie) como destaque (até maior do que o Coringa, segundo as primeiras impressões); Bridget Jones retornará para quebrar todos os padrões de “chick flicks” e, em 2017, a Disney apresentará uma nova princesa, “Moana”.

É esperar para ver se Hollywood aprendeu alguma coisa olhando para fora do próprio umbigo nos últimos anos.

Por Juliana Varella

Atualizado em 13 Jun 2016.