Guia da Semana

Elena está em todos os lugares. Em cartazes nos metrôs, em vídeos virais na internet e, até o final desta semana, nos cinemas de todo o país. O filme, que se equilibra entre o documentário e a poesia, é o primeiro longa-metragem da diretora mineira Petra Costa, que já flertou com a história de sua família no curta Olhos de Ressaca (2009) e agora mergulha em si mesma e na lembrança de sua irmã, que sonhou com Hollywood e cometeu suicídio quando Petra tinha apenas sete anos.

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Petra é miúda, tem braços muito finos e olhar inquieto. Procura a porta a todo instante, como se esperasse ver alguém muito importante passar por ali. Tão importante, talvez, quanto Fernando Meirelles, Walter Salles e João Moreira Salles: os três diretores já assistiram ao seu trabalho e aprovaram - uma bênção num círculo tão exclusivo quanto é o do cinema no Brasil.

Sento-me ao seu lado e me surpreendo com a cor dos seus cabelos, bem claros: Petra os tingiu de preto para se parecer ainda mais com Elena no filme. O sotaque é menos carregado pessoalmente e sorriso, largo e bonito, está pouco confortável: é dia de entrevistas no Espaço Unibanco Augusta. É dia de puxar novamente à memória tudo o que foi exorcizado há pouco mais de dois anos, quando reuniu gravações antigas, diários e depoimentos de cerca de 50 pessoas para compreender melhor aquela parte da sua vida que ainda engasgava entre um sonho e outro: Elena, sempre Elena.

Imagem de arquivo mostra Elena se maquiando

Leia, abaixo, a entrevista completa com Petra Costa, a diretora do documentário Elena, que entra em cartaz na próxima sexta-feira, dia 10 de maio:

Guia da Semana: Em que momento você decidiu que estudaria teatro e seguiria a carreira de cineasta?

Petra Costa: Eu comecei a trabalhar com teatro aos 14 anos, mas, desde pequena, como você vê no filme, eu já fazia parte desse mundo... Por um bom tempo eu tive certeza de que era isso que eu queria fazer, mas não sabia se era só isso. Sabia que, para poder fazer arte, você precisava ter uma compreensão social, filosófica... Foi por esse motivo que, depois de fazer teatro na USP, fui para os Estados Unidos estudar Antropologia na Columbia University.

Guia: Mas, no filme, você afirma que duas coisas que não poderia fazer, para seus pais, eram estudar teatro e morar em Nova York...

P.C.: É um pouco exagerada essa afirmativa, eles não proibiam. Mas havia, sim, um certo mal estar...

Guia: Você nunca pensou em seguir outro caminho, por causa da sua irmã [que também era atriz]?

PC: Com 18 ou 19 anos, esse medo de estar seguindo os mesmos passos dela começou a se identificar – até fui chamada para fazer uma peça cuja protagonista se parecia muito com a minha irmã e tinha um destino parecido. Minha mãe foi contra e acabei não fazendo essa peça, mas continuei no teatro.

Guia: Como você decidiu que faria um filme sobre a história da sua família?

P.C.: Quando eu tinha 17 ou 18 anos e fazia teatro com o Grupo da Vertigem, eles me deram um papelzinho escrito “livro da vida”. Eu tinha dois dias pra fazer uma cena qualquer inspirada nisso. A princípio, eles deviam estar pensando no Antigo Testamento, mas eu pensei nos meus diários... E foi procurando os meus diários que encontrei o da Elena. Foi por acaso, foi a primeira vez que li um diário dela e foi muito forte. Era tudo muito parecido, a letra dela era muito parecida com a minha, as questões, as paixões, os pais... Foi como ler um livro secreto do meu próprio destino.

Guia: E o filme começou a nascer daí...

P.C.: Sim. Quando fiz essa cena e misturei trechos do diário dela com trechos do meu, eu percebi um potencial muito grande. E, naquele momento, eu prometi que faria um dia um filme sobre isso.

Guia: E por que agora?

P.C.: Dez anos depois daquele dia, eu tive o sonho que eu descrevi no começo do filme, em que uma de nós duas morre e eu acordo super confusa sem saber quem é. Então eu decido que chegou o momento.

Guia: Você teve comentários positivos de diretores consagrados no Brasil. Como isso aconteceu?

P.C.: Eles foram super generosos. Eu não os conhecia, só o Walter [Salles], porque eu tinha trabalhado como assistente de direção no filme O Transeunte, que ele produziu, mas o João Moreira Salles e o Fernando Meirelles não. Foi através de amigos que os conheciam que eu entreguei o filme e eles gostaram muito. Também acho que existe essa generosidade entre diretores, esse hábito de se ajudarem porque eles sabem como é o processo.

Guia: Eles chegaram a ver algum material antes da finalização?

P.C.: Sim, viram. Eu mostrei justamente porque queria um insight de como melhorar o filme. E eles me deram várias dicas.

Guia: Você pode citar uma dica que você usou no filme?

P.C.: O João Moreira Salles era contra manter as entrevistas. Ele dizia que quebrava a “bola de cristal” que o filme construía, e acabei concordando com ele.

Cartaz de divulgação do filme Elena

Guia: Elena está sendo divulgado como um filme de Arte, mais do que um documentário. Para você, o que ele tem de tão diferente de um documentário comum?

P.C.: Eu comecei a fazer o filme com o intuito de deixar indefinido se era ficção ou documentário. O público ficaria confuso com essa mistura de identidades e acabaria descobrindo no processo que era uma história real. Isso foi a primeira ideia. Depois que eu comecei, porém, decidi que queria falar com todas as pessoas que tinham conhecido Elena, e acabei fazendo 50 entrevistas. Por isso, quando começamos a fazer a montagem, houve um momento em que o filme era mais documentário... Mas, aos poucos, resolvemos abolir as entrevistas e manter só o essencial, só as mais íntimas. Isso me fez voltar à idéia inicial de fazer com que o espectador entrasse na história e a percorresse como uma aventura psicológica. Nesse sentido, eu acho que ele se distancia de um documentário.

Guia: Por ser mais pessoal?

P.C.: Não por ser pessoal, mas por embalar o espectador numa jornada como um filme de ficção embala.

Guia: Como foi o processo para lançar o filme no circuito comercial?

P.C.: Nós tivemos a sorte de conseguir a distribuição do Cinespaço, e também conseguimos o apoio da Oi para o lançamento, além do apoio de diversos artistas que conheceram a Elena ou que viram o filme e gostaram. Estamos tentando ao máximo fazer com que o filme saia um pouco do limite dos 5.000 espectadores e também queremos gerar um debate acerca dos temas de que ele trata. Para mim, isso é muito importante, pois, quando prometi que faria esse filme, foi porque senti que as questões escritas nos diários eram questões de crise existencial pelas quais muitos jovens passavam, e que poucos filmes tratavam disso. Na época, Bicho de Sete Cabeças era um, mas tratava apenas da questão com as drogas. E as questões psicológicas mais intangíveis, como tratar?

Guia: Vocês têm conseguido realizar esses debates?

P.C.: Sim, já organizamos debates em diversas escolas e já temos eventos marcados junto com a Secretaria da Juventude e a Secretaria da Mulher em Brasília.

Guia: Qual é o público que você espera alcançar?

P.C.: Na internet, quem tem se conectado mais são os jovens, de 15 a 25 anos. Acho que os jovens vão se identificar com as questões levantadas, mas também mulheres, artistas, homens com uma aura feminina...

Guia: Você acha que Elena é um filme muito feminino?

P.C.: Acho que sim. Ele é feito com uma linguagem mais feminina, mais delicada. Mas é uma sensibilidade, não que seja restrita à mulher: ele foi inspirado em contos de Guimarães Rosa, como o Corpo de Baile, que eu percebo como femininos, assim como são os filmes do Karim [Aïnouz].

Guia: Você sempre acaba voltando a esse tema da sua família...

P.C.: Até agora.

Guia: Você pretende continuar nessa linha?

P.C.: Meu próximo filme não é sobre minha família. É sobre outra família. (risos). É um casal de atores de uma companhia de teatro, colocados numa situação de encenar os próprios dramas da sua intimidade. Tudo isso explorando a estrutura do livro Mrs Dalloway, da Virginia Woolf. O título provisório é Criando Mrs Dalloway e ele está previsto para o final do ano ou começo do ano que vem.

Guia: Você prefere trabalhar com histórias reais?

P.C.: Eu acho que há tanto material nas histórias reais, elas são tão fortes... Além disso, estou interessada em transformar o real em ficcional. Quero descobrir como seria para esses atores encenarem dramas reais, que eles sentem e encenam.

Guia: Foi difícil fazer Elena?

P.C.: Foi. O Walter Salles falou uma coisa muito bonita: “é a dor para curar a dor”. É preciso ir até o fundo para tratar. Ao mesmo tempo, porém, eu não sinto que o filme tenha sido uma forma de terapia, porque foi mais duro do que prazeroso ficar relembrando, relembrando... Na terapia, você relembra até o ponto em que é útil, mas, no filme, você passa dos limites. O filme manda em você.

Por Juliana Varella

Atualizado em 8 Mai 2013.