Guia da Semana

Foto: TV Globo/João Miguel Júnior


Há mais de duas semanas, a Globo vem apresentando em sua programação teasers de sua mais nova produção: o remake da novela O Astro, que foi escrita por Janete Clair entre 1977 e 1978. O novo texto vem com a assinatura de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro e direção de núcleo de Roberto Talma.

O Astro é uma novela emblemática na obra de Janete Clair e na TV brasileira. Um sucesso popular movimentado pelo primeiro "quem matou" que mobilizou o país: "quem matou Salomão Hayala?". De acordo com a biografia da novelista escrita por Artur Xexéo (Janete Clair, a Usineira de Sonhos, Editora Relume Dumará), o Brasil parou - literalmente - no horário da novela em seu último capítulo, em julho de 1978, para, afinal, descobrir a identidade do assassino do velho Salomão. Foi uma espécie de comoção generalizada.

Para alguns saudosistas que viram a novela na época, O Astro permanece presa a uma aura de encantamento intocável. Esta relação obra-fã é mais comum do que se pensa e acontece quando a obra faz muito sucesso e arrebata multidões - seja na televisão ou no cinema. De uns 20 anos para cá, tais catarses já não acometem mais os telespectadores. Eram mais comuns até a década de 80.

Os remakes de novelas tornaram-se comuns nos últimos tempos na televisão. Reescrever um antigo sucesso chega a ser uma tarefa ingrata para adaptadores que não foram os criadores da obra original. Muitos saudosistas criticam as regravações porque não conseguem ter a mesma impressão, emoção, sensação que tiveram quando viram a obra pela primeira vez. Mas não se dão conta de que isto é impossível. Uma telenovela diária é fruto de um momento, tanto na sociedade quanto na vida do telespectador.

O Brasil, a televisão, os valores da sociedade de mais de 30 anos atrás são completamente diferentes da atualidade. O mundo é outro, a tecnologia evoluiu, os valores mudaram, e a forma de fazer televisão também mudou. Não se pode repetir a mesma fórmula sem cair no risco da nova roupagem parecer obsoleta para as gerações que vieram depois. Ajustes e adaptações são absolutamente necessários.

Leva-se em consideração também que a forma de escrever novelas hoje é completamente diferente de há 30 anos. Em 1977, a novela das oito - que realmente começava às oito horas da noite - tinha uma duração média de 45 minutos. Hoje em dia, um capítulo dura pelo menos uma hora. Antigamente uma novela das 8 tinha 40, 50 personagens no máximo. Hoje, eles podem chegar aos 100, desdobrados em mais tramas paralelas do que existia no passado. Logo, uma novela dos anos 70 ao ser adaptada para os tempos modernos precisa ter mais tramas.

Uma regravação ipsis litteris geralmente é mais fácil de fazer no horário das seis, cujas novelas ainda se permitem mais enxutas. Foi o que aconteceu com os remakes de Benedito Ruy Barbosa, supervisionados pelo próprio autor (Cabocla, Sinhá Moça e Paraíso). Mas, nos demais horários - e quando feito por outros roteiristas que não o autor original -, ajustes são bem vindos.

Maria Adelaide Amaral adaptou com muita eficiência três novelas de Cassiano Gabus Mendes: Anjo Mau, em 1997, e Plumas e Paetês e Ti-Ti-Ti, juntas em uma mesma novela, em 2010. As obras originais serviram apenas de ponto de partida para a autora, que mudou coisa, desde nomes de personagens a tramas inteiras cortadas, ou alteradas, ou com novas tramas incluídas. Isto gerou duras críticas por parte de saudosistas mais intolerantes.

Escrava Isaura, uma das novelas de maior sucesso de nossa teledramaturgia, é por si só uma adaptação e bem diferente do clássico romance original de Bernardo Guimarães. Para deixá-lo com cara de folhetim, o adaptador da obra, Gilberto Braga, teve que mudar muita coisa. O par romântico da heroína Isaura - Álvaro - só aparecia depois da metade da história. Gilberto teve que criar um novo interesse amoroso para a mocinha - Tobias - para que o fio condutor folhetinesco funcionasse.

Por todos estes motivos, cada remake tem de ser visto desprovido de qualquer saudosismo. É uma novela nova para ser vista com gerações que não tiveram a oportunidade de acompanhar a apresentação original. Reveja com saudosismo a obra original, mas nunca uma adaptação moderna. Existem lembranças que realmente devem permanecer intocadas... em nossa memória afetiva!


Leia as colunas anteriores de Nilson Xavier:

Os anos 80 de volta

Novelas e sua audiência

Morde e Assopra: mais do mesmo

Quem é o colunista: Nilson Xavier.

O que faz: Autor do "Almanaque da Telenovela Brasileira" e criador do site Teledramaturgia.

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Atualizado em 14 Mai 2013.