Guia da Semana

Fotos: divulgação

Com 10 anos de carreira, a tatuadora Camila Rocha embarca para o estúdio de Kan Von D

Ela atua em uma profissão que já foi muito marginalizada. Sofreu preconceito da família, da sociedade e dos próprios tatuadores, que não queriam ver uma mulher em segmento quase que totalmente masculino. Camila Rocha superou tudo isso e hoje está de malas prontas para embarcar aos Estados Unidos, onde irá trabalhar com a tatuadora Kan Von D, no estúdio High Voltage Tattoo, que exibe o seriado L.A Ink - reality show que acompanha a rotina do tatuadores e é exibido pelo canal pago People and Arts.

Antes de ir para a terra do Tio Sam, o Guia da Semana bateu um papo com a tatuadora que gosta do estilo New School - identificada pelo movimento, linha de desenhos com cores vibrantes, traços mais finos e psicodélicos. Confira o que ela fala sobre os diferentes tipos de tatuagem, as dificuldades de quem começa e as dicas para quem está pensando em fazer uma.

Guia da Semana: Quando você começou a se interessar por esta arte?
Camila Rocha:
Com 18 anos. Tinha acabado de sair do colégio e estava em dúvida no que escolher. Eu gostava de brincar de tatuagem e certo dia um amigo pediu para fazer o desenho de uma para ele. Foi aí que comecei a me interessar por isso.

Guia da Semana: Quais as principais dificuldades que o tatuador tem no começo?
Camila:
Tive muito problema em lidar com a dor que as pessoas sentiam. Isso é ruim porque se as pessoas demonstram o sofrimento, o tatuador despreparado tem a tendência de fazer o traço mais leve e mais rápido - para causar menos dor - e isso deixa o trabalho mal feito. O outro é que não existe uma forma de ensinar como fazer tatuagem, você tem que aprender sozinho. A técnica você acaba desenvolvendo com os anos e no começo ninguém quer servir de experiência para você.

Guia da Semana: Como surgiu o convite para trabalhar no estúdio High Voltage Tattoo?
Camila:
Parece que foi uma coisa meio por acaso. Desde que vi o programa pela primeira vez, gostei da proposta de um estúdio só pra garotas, já que sofri muita discriminação no começo. Trabalhei com uma delas, a Hannah Aitchison, em Londres, o que me fez conhecer o trabalho dela. O meu marido, amigos e até alguns clientes pediam para eu enviar os meus trabalhos para lá. Montei meu portfólio e deixei de canto por um ano. Um dia resolvi mandar. A Kat respondeu bem rápido, dizendo que haviam gostado do meu trabalho e que ele era único, perguntando se eu poderia trabalhar como tatuadora convidada.

Guia da Semana: Quanto tempo você vai ficar lá?
Camila:
Como é em um outro país e cultura, pensei bem pois estava deixando as pessoas que gostava aqui, minha família, meus amigos. Por isso pedi uma experiência de um mês e caso eu goste ficarei mais.

Guia da Semana: Você citou que sofreu discriminação por ser uma mulher nesta profissão. Como foi isso?
Camila:
Quando eu comecei era a única mulher da minha geração e sofria muito por isso. Falavam mal, tentavam se aproximar de mim por outras coisas. Tinha homens que pediam para fazer o desenho, mas na hora de tatuar ficavam com medo e perguntava para o dono do estúdio se meu trabalho era confiável e até preferiam outra pessoa. Depois do programa da Kat Von D, o mercado aceitou e agora tem muito mais mulheres trabalhando.

Guia da Semana: O seriado L.A Ink conta a motivação dos clientes que levaram a fazer as tatuagens. Você teve contato com histórias peculiares que a marcaram?
Camila:
Tem muita história freak, como uma em que eu estava trabalhando em Londres e era dia de St. Patrick - o santo padroeiro da Irlanda - e todo mundo na rua bêbado e comemorando. Chegaram no estúdio três amigos, eles tinham feito uma aposta e um deles perdeu e teve que escrever no bumbum "Propriedade de Mr. Will e Mr. Robinson" (o nome dos outros amigos). Foi a coisa mais doida que já fiz. Há pouco tempo recebi um e-mail de um cara nos EUA que queria fazer um dragão no pênis. Ele mandou e-mails explicando o porque daquilo, mas não faço tatuagem em orgãos genitais.

A mais difícil de fazer foi a do marido: "Ele sofre e reclama, então pra mexer, temos que estar de bom humor. Tanto que ela já tem dois anos e ainda não foi concluída", enfatiza.

Guia da Semana: Como você recebe um novo trabalho?
Camila:
Não aceito todo tipo de trabalho, por isso meu primeiro contato é só através do e-mail. Tudo que faço tem que ter um lado artístico, muito mais do que a simples imagem. A base é tentar fazer com que aquele desenho escolhido faça parte da história da pessoa. Só quando ela se mostra mais esclarecida sobre o assunto que participo menos dessa decisão. Muitas vezes a gente tem que sentar e bater um longo papo para saber as aspirações e interesses das pessoas, sem isso você não consegue traduzir aquele sentimento para o desenho.

Guia da Semana: Quais dicas você dá para quem está querendo fazer sua primeira tatuagem?
Camila:
Recomendo ir mais a fundo, pesquisar sobre o tema, sobre a cultura da tatoo. Pense diversas vezes, pois ela é uma coisa que vai ficar no teu corpo para vida inteira, causa muita dor e se quiser apagar será muito mais caro e dolorido. A principal dica é juntar uma boa grana para fazer em um lugar reconhecido para não se arrepender.

Guia da Semana: Qual o pedido mais comum das pessoas?
Camila:
Artisticamente não é interessante repetir os desenhos. O que tento fazer é usar várias formas diferentes para simbolizar alguma coisa. Como trabalho com isso, quero me envolver com coisas extremantes diferentes e interessantes, sem cair na rotina. Assim, uma das que mais saem é o dragão, mas essa eu faço por prazer, pela história que a figura carrega, mesmo assim, são centenas de tipos, cores e significados, tornando único cada um.

Guia da Semana: Como definiria esse tipo de arte e o seu trabalho?
Camila:
Para mim é uma forma de expressão. O meu trabalho é mostrar a alma da pessoa através da tatuagem.

Atualizado em 10 Abr 2012.