Guia da Semana

Faz mais de um mês que o Brasil demonstra sua indignação com o caso da garota que foi espancada e atirada do prédio de seu pai, no dia 29 de março, por meio de vídeos postados no YouTube, congestionando a saída da garagem dos suspeitos, berrando por justiça.

Isabella Nardoni não foi a criança que foi negligenciada por pessoas que deveriam amá-la, ser seu apoio e sua base; ela foi uma das muitas crianças que sofrem desse mal. Existem, em média, de 133 a 275 milhões de crianças que sofrem de violência doméstica anualmente, dessa quantia, 60 milhões encontram-se em território brasileiro. Infelizmente, tais crianças não contam com o apoio ilimitado da mídia brasileira para ter seu caso resolvido, ou massas à frente de suas casas, exigindo uma resolução para seus casos.

É necessário que se compreenda que, mesmo que a tão almejada justiça seja feita, e os assassinos de Isabella sejam condenados, nada mudará o que aconteceu à garota: nada acalentará o sofrimento de sua mãe, pois sua filha não mais está com ela. É possível, entretanto, fazer algo a respeito de todas as outras crianças que sofrem do que Isabella sofreu, que não contam com pais para apoiarem-nas, uma vez que são eles a quem mais temem; crianças que não se sentem seguras em casa, pois é lá que seus temores repousam.

Conheci uma garota, há alguns anos, a qual chamarei de Daniela, para não expô-la. Não tinha mais do que quinze anos, na época, e estava grávida. A paternidade era duvidosa, pois sofrera abuso sexual tanto de seu pai quanto de seu irmão mais velho, e, depois de anos sendo submetida a tais atos, finalmente criou coragem e conversou com a diretora de seu colégio. Por que não temos pessoas berrando que justiça seja feita pela Daniela? E, pior, por que ela não recorreu à ajuda antes?

Faz-se necessária a compreensão de que, quando se é uma criança, tudo é preto e branco; as tonalidades de cinza ainda não existem, tornando tudo essencialmente mais simples - mas também fatalmente perigoso. Aprendem, desde pequenas, que devem amar e respeitar suas famílias acima de tudo. O que fazer, então, quando seu tio te toca de um jeito que não lhe agrada? Ou quando seu pai, embriagado, chega e te bate? Ou quando uma mãe te força a trabalhar para ajudar no sustento da casa, quando você mal consegue soletrar seu próprio nome? A lição que muitos esquecem de ensinar é que, acima de tudo, elas devem amar e respeitar a si mesmas. Tais crianças são violentadas e acabam por aceitar sua realidade, por desconhecerem meios que possam ser usados para impedir a incidência de tais abusos.

Torna-se imprescindível, para a erradicação dessa praga social, ensinar as crianças que, sim, elas têm a quem recorrer; se não seus pais, seus professores ou os policiais da delegacia mais próximas, assim como a certificação - desta vez, governamental - de que as necessidades de tais vítimas sejam supridas imediatamente (alimentação saudável, roupas, assistência psicológica, educação e necessidades médicas...), acompanhadas por ações imediatas dos assistentes sociais. Para isso, entretanto, é necessário que os direitos básicos das crianças sejam divulgados e que os pequenos se conscientizem dos mesmos.

Espero, com sinceridade, que a comoção pela pequena Nardoni não desapareça com o passar do tempo, como é comum que ocorra, e que a indignação e a fome por justiça sejam aplicadas e direcionadas, não apenas na resolução do caso da garota de sorriso angelical que emocionou o Brasil, mas nos outros cinqüenta e nove milhões, novecentos e noventa e nove mil, novecentos e noventa e nove casos que merecem a mesma atenção.

Quem é a colunista: Gisele Zwicker. Para ela, um fim de semana perfeito envolve um bom livro, um bom filme e uma ida ao teatro.

O que faz: Preparando-se para prestar o vestibular.

Pecado gastronômico: Filé de frango com arroz.

Melhor lugar do Brasil: São Paulo, Capital. Não há lugar melhor que o lar.

Fale com ela: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.