Guia da Semana

Jean Wyllys (PSol-RJ) se tornou uma das figuras mais emblemáticas da luta LGBT no país nos últimos anos. E não só por ser o segundo deputado federal assumidamente homossexual eleito no Brasil (o primeiro foi o falecido estilista Clodovil Hernandes): sua gestão e ávida atuação na Câmara têm como pauta principal as questões que tangem os direitos das minorias, dentro das quais estão os LGBT.

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São dele, por exemplo, a autoria (compartilhada com a deputada federal Erika Kokay, do PT-DF) de dois projetos de lei de extrema importância para os LGBT: o 5120/2013, que altera o Código Civil para reconhecer o casamento civil e a união estável entre pessoas do mesmo sexo; e o 5002/2013 (Lei João W. Nery), que estabelece os mecanismos jurídicos para o reconhecimento da identidade de gênero, permitindo às pessoas a retificação de dados registrais, incluindo o sexo, o prenome e a imagem incluída na documentação pessoal.

Confira abaixo a entrevista concedida por Jean Wyllys ao Guia da Semana. Ele fala sobre os avanços nas leis brasileiras em prol dos direitos dos homossexuais e sobre a relevância de eventos como a Parada Gay, que constitui uma importante ferramenta política para os LGBT.

Na sua opinião, qual a representação social e política da Parada Gay e do Mês do Orgulho LGBT? De que forma esses eventos contribuem com a luta pelos direitos dos LGBT no Brasil?
A Parada do Orgulho LGBT é, sem dúvida, um grande evento político de celebração, de visibilidade e de luta pela conquista da cidadania plena de lésbicas, gays, bissexuais e pessoas trans. Durante a Parada, mostramos que somos todos parte de um mesmo povo, uma mesma nação, que deveríamos ter os mesmos direitos de qualquer cidadão, mas que somos lesados em parte deles. Durante a Parada, não deixamos que passe despercebido o tanto de discriminação, ódio, preconceito e intolerância que sofremos. Caminhando pelas ruas, a céu aberto, colocamos como pauta discussão pública questões relativas a orientações sexuais e identidades de gênero e isso se constitui em ato político dos mais importantes. E, assim, ampliamos a consciência social e política dos participantes diretos e indiretos da Parada.

Neste ano, o tema da Parada é a lei de identidade de gênero, uma reivindicação das trans que foi atendida! Uma legislação como essa garante às trans direitos básicos, como a adequação dos registros civis. Apresentei essa lei no ano passado, que recebeu o nome de João Nery em homenagem à luta do primeiro trans-homem operado no Brasil, que teve que abandonar toda uma vida acadêmica e profissional já consolidada para "renascer" com um nome masculino.

A característica multifacetada da Parada testemunha que somos muitos, somos diversos e existimos, independentemente da vontade de alguns. E, principalmente, que desejamos apenas viver em paz, amar em paz, existir em paz, com nossos direitos plenamente garantidos e reconhecidos. Assim, afirmamos e reafirmamos que somos pessoas como quaisquer outras.

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Este ano, a Parada Gay de São Paulo, a maior do mundo, completa 18 anos. Você acha que, com o passar desse tempo, a sociedade brasileira passou a ter maior respeito e aceitação à diversidade sexual? Na sua opinião, por que isso aconteceu?
Sim, sem dúvida. Isso pode ser notado por meio da abordagem de temas relativos à comunidade LGBT através de veículos de massa (como em filmes e novelas, por exemplo) e a recepção que esses temas têm tido. Tanto a construção de personagens está deixando de ser caricata, agora abordando aspectos mais sérios e complexos; como também o público, hoje, chega a torcer por finais felizes entre casais homossexuais.

E tudo isso ocorre justamente por sairmos do armário, por nos assumirmos e mostrarmos publicamente, como acontece em eventos como a Parada. Estamos dizendo que somos cidadãos, que trabalhamos, amamos, dançamos, rimos, nos alegramos e também nos entristecemos, sentimos dor. Nós lutamos por uma vida melhor como qualquer outra pessoa que tem sonhos, que deseja viver mais plenamente.

Tomar posição pública em defesa da igualdade tem sido decisivo para termos mais respeito e maior aceitação em nossa sociedade frente à diversidade sexual. Bem como lutarmos por leis que reconheçam a nossa cidadania.

Na sua opinião, no último ano, qual foi o principal avanço dos direitos dos LGBT no Brasil?
Sem dúvida alguma, o maior avanço foi o Supremo Tribunal Federal ter, no dia 14 de maio de 2013, determinado que nenhum cartório poderia recusar a partir de então a realização de casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo nem tampouco deixar de converter uniões estáveis em casamento, e o Conselho Nacional de Justiça garantir materialmente o casamento.

E os retrocessos?
Os retrocessos podem ser notados por meio das ações orquestradas da bancada religiosa no Congresso Nacional, no impedimento às votações de leis importantes para cidadãos LGBTs, como a garantia do casamento igualitário no Código Civil e em nossa Constituição, na aprovação de um Plano Nacional de Educação que reconheça a diversidade de orientação sexual e de identidade de gênero, e outras questões relativas à promoção da igualdade. No Senado, vimos a derrubada do PLC 122 através de manobras políticas da mesma bancada fundamentalista com a conivência do próprio PT, que também aprovou um projeto de lei que representa um retrocesso na luta das trans, ao restringir seu reconhecimento apenas ao nome social, ignorando, por exemplo, a luta pela não patologização da identidade trans como um transtorno psiquiátrico que precise ser diagnosticado.

Quais você considera os maiores entraves para a aceitação plena e igualitária dos LGBT (em direitos e respeito social) no Brasil de hoje?
O maior entrave me parece a manipulação que parte dos políticos e líderes religiosos promovem junto a uma parcela das comunidades religiosas, disseminando preconceitos, distorções e calúnias. Com a deturpação político-ideológica, muitos acreditam que nós, LGBTs, somos de fato uma ameaça à família e até mesmo à espécie, quando queremos apenas poder constituir nossas próprias famílias, termos nossos filhos, nossas vidas em pé de igualdade com qualquer outro cidadão brasileiro, sem mais ou menos direitos.

De qualquer forma, as igrejas estão divididas, hoje vemos igrejas e movimentos inclusivos, em que pessoas veem que não há problema em exercitar sua fé sendo LGBT. A parte dos religiosos que absurdamente luta contra a igualdade entre todos não é maioria e não tem unanimidade. Essa parte homotransfóbica é justamente a que provoca cisões dentro das próprias denominações religiosas. Na prática, vão contra o que fingem defender em discurso e que deveria firmar como o maior ensinamento a aprendermos: que devemos amar o próximo. Devemos nos esforçar pelo menos para compreender e/ou aceitar as outras pessoas, por mais diferentes que sejam do que tínhamos como ideal de perfeição.

É por essa não-unanimidade, inclusive, e por termos pessoas muito boas em diversas denominações religiosas que, em 2011, formamos a Frente de Religiosos Contra a Homofobia na Parada do Orgulho LGBT e contamos com movimentos como o Diversidade Católica ou vozes como a do padre Beto ou do pastor Ricardo Gondim. A Frente foi tão bem recebida que contou com a adesão de vários grupos religiosos e cada vez vemos mais e mais pessoas de vários segmentos aderindo à aceitação e à inclusão de LGBTs.

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Quais as mudanças que você espera para o próximo ano no campo dos direitos dos LGBT no Brasil?
Para o próximo ano, de acordo com os debates que temos promovido junto à comunidade, temos visto uma maior conscientização sobre a importância da defesa de algumas questões muito importantes que dizem respeito a nós LGBTs e também a todos nós brasileiros e, por isso mesmo, acredito que possamos aprovar o casamento igualitário como lei, na Constituição, não apenas como entendimento jurídico, que é vulnerável.

Esperamos também alguns avanços relacionados à defesa do Estado laico e das liberdades individuais; um rechaço ao fundamentalismo e a intolerância religiosa; a retomada da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados no cumprimento de seu papel legítimo, que é a defesa de todos os cidadãos; aprovação da lei de identidade de gênero João Nery (PL-5002); políticas públicas de inclusão social e combate ao preconceito contra as pessoas LGBT; a aprovação da lei Gabriela Leite, pelos direitos dos/as trabalhadores/as sexuais (PL-4211) e debates intensos sobre a necessidade de uma educação que discuta a plena igualdade de gênero e respeito à diversidade na escola.

Por Conceição Gama

Atualizado em 3 Mai 2014.