Guia da Semana

Quinze anos após a estreia do sucesso cinematográfico que conquistou ao todo 46 prêmios nacionais e internacionais, o marco do cinema brasileiro "Bicho de Sete Cabeças" ganha agora sua primeira adaptação para teatro na cidade de São Paulo.

A história, baseada em fatos reais e saída do livro "Canto dos Malditos", de Austregésilo Carrano, fala sobre um jovem que, por dificuldade de comunicação com os pais, vivencia a violência e o absurdo do sistema de saúde mental brasileiro. Destacando a brutalidade e a poesia presentes na obra e trazendo cenas inéditas do roteiro original (que foram removidas da versão final dos cinemas), o espetáculo, apesar de possuir alguns aspectos bem amadores, surpreende em muitos sentidos, os quais se fazem motivos de peso para assistir a peça, que destacamos a seguir. Confira:

HISTÓRIA E CRÍTICA

A obra, infelizmente inspirada em fatos reais, trazida da literatura e do cinema, faz uma crítica ao sistema manicomial brasileiro através de diversos pontos de vista. A partir da história de Neto, um jovem de classe média compreendido como desajustado pela família, são abordadas questões como os diferentes abusos feitos pelos hospitais psiquiátricos, a questão das drogas e a intolerância no seio familiar.

As cenas mostram apenas um pedaço da absurda realidade de quem esteve dentro de manicômios, hospitais e sanatórios na época, fazendo uma crítica direta a um dos maiores mecanismos de repressão da sociedade, o que, para muitos, é uma realidade muito distante.

DROGAS

Embora o foco não seja este, também somos colocados em contato com o uso de drogas, típico dos anos 60 e 70, onde o que estava implícito no uso era o caráter de contestação à severidade paterna, o que nos mostra, com maestria, que o asilamento repressivo e a dependência, são igualmente nocivos.

CORPO EM CENA

Um aspecto incrível e extremamente envolvente e profundo é o uso do corpo, que torna-se quase que um personagem em cena. Todos os atores se movimentam intensamente e com muita profundidade, o que deixa o dinamismo muito mais tenso e imersivo.

RELAÇÃO COM A LOUCURA

Logo que a loucura foi descoberta na história da humanidade, tais pessoas eram consideradas amaldiçoadas e castigadas pelos Deuses. Assim, eram afastadas dos grupos sociais e colocadas nos mesmos lugares que os criminosos. Porém, as condições de sobrevivência não eram humanas e mesmo pessoas mentalmente saudáveis chegavam muito perto da loucura devido a isso.

O tempo passou, mas a situação continuou a mesma e, por incrível que pareça, só piorou. Chamados de chiqueiros psiquiátricos por muitos internos, a dura realidade de abandono e de violência trazia muitos casos de internação compulsória, o uso desnecessário e abusivo de tratamento de eletrochoque, horas e dias na solitária, procedimentos invasivos e todo tipo de violação aos direitos humanos.

Embora o espetáculo, assim como o filme, não mostre nem 10% do que os pacientes passaram nessas instituições, comparadas facilmente a casas de extermínio - onde 80% de quem estava internado morria ou tornava-se morador pela prisão física e química que eram submetidos (uma morte em vida que leva ao zumbinismo), é uma forma de ver um pedaço da história não apenas do nosso país, mas da trajetória da luta antimanicomial que isso resultou.

Além disso, o espetáculo também nos coloca a pensar a própria loucura. O que é ser louco? O louco é menos que os considerados mentalmente saudáveis? Como reagimos ao diferente? A sociedade atual, mesmo com muitas mudanças, é tolerante com quem está fora dos padrões considerados normais? Como é a sua postura?

RITMO E DINÂMICA

O espetáculo, diferente de muitos outros, preenche cada pedaço do palco. Enquanto algumas obras colocam cenas separadas e organizadas, "O Bicho de Sete Cabeças" ocupa o espaço de forma desorganizada, fato que dá o ritmo na dosagem certa e casa perfeitamente com a história. Assim, enquanto acontece um ato à esquerda, a parte direita fica apagada, mas ainda em ação.

SERVIÇO

Temporada: De 5 a 26 de maio de 2016
Onde: Teatro Paiol Cultural
Quanto:
R$40 (inteira) e R$20 (meia-entrada)
Quando: Quintas feiras, às 20h30

Por Nathália Tourais

Atualizado em 6 Mai 2016.