Guia da Semana

Fotos: arquivo pessoal/ Sylvio Passos



Careta de marca maior. O pai do rock brasileiro começou a carreira musical como um tímido executivo padrão, que não largava mão do paletó e gravata, sempre de barba e cabelos feitos. No fim da vida transformou-se em hippie, alcoólatra, cheio de misticismo e pregador da liberdade alternativa. Junto de uma postura rebelde, vestiu, literalmente, suas músicas e dessa forma o Brasil ganhou um ícone. Embora muitos não o tenham visto no palco, milhares de fãs atravessam gerações e entoam, mesmo após 20 anos de sua morte, o consagrado "Toca Rauul!".

O início, o fim o meio

O gosto musical multifacetado influenciou as composições de Raul Seixas. Os sucessos de Luiz Gonzaga e os repentes nordestinos foram seu Be-a-Bâ, enquanto os discos emprestados de vizinhos americanos somados ao fanatismo por Elvis Presley e Beatles, levaram Raul Seixas a abandonar o sonho de ser escritor e adotar o rock'n roll como seu projeto de vida. O resultado veio ainda na adolescência, com Rauzito comandando a primeira banda a usar instrumentos elétricos de Salvador. A partir daí, o país teve um rock com identidade e sotaque próprio.

No começo, o público teve dificuldade em assimilar os sons dissonantes com entoadas filosóficas. Mas a persistência e originalidade das letras que questionavam o existencialismo, a vida e a morte, o divino e profano, ganharam adeptos. Logo o cantor de faixas como Ouro de tolo, Metamorfose ambulante, Mosca na sopa e Al Capone começava a despontar.

Sylvio Passos conheceu pessoalmente o artista em 1981, quando foi montar o fã clube. "Na mesma hora entrei para a galera. Durante dois ou três meses ficou uma relação fã-ídolo, mas logo passou e quando fui dar conta já tinha mais de 30 anos", relembra. Ele comanda o fã clube há 28 anos que conta com mais de 100 mil membros do mundo inteiro "Minha história é semelhante a de Robert Plane que disse se lembrar de um dia ter entrado em um avião para fazer o show com o Led Zeppelin e nunca mais parou de voar. Um dia fui na casa de Raul e nunca mais sai de lá", ironiza.

Rauzito já tinha um contrato de gravadora que o colocava no mesmo patamar de grandes nomes da MPB, como Chico Buarque e Caetano Veloso. Entre as parcerias, a que mais teve frutos foi a com o jovem escritor Paulo Coelho, que além de render canções inspiradas no mítico, escolheram uma época em que o tropicalismo e a Jovem Guarda não existiam mais para promover uma ideologia com uma postura liberal, a Sociedade Alternativa. Desafiando a ditadura, Raul foi preso, torturado e exilado. Mas seu próximo LP, Gita, rendeu um disco de ouro, com 600 mil cópias e ele retorna ao Brasil.

"As letras são atemporais sempre carregadas de muita filosofia e cabem em qualquer época e situação. Como a juventude tem essa atitude de protesto, o trabalho de Raul continua vivo até hoje", enfatiza Sylvio Passos. Os álbuns seguintes consolidaram o cantor e as parcerias pipocavam.

Fotos: arquivo pessoal/ Sylvio Passos

Quando Sylvio foi falar sobre a criação se seu fã clube, Raul ficou admirado: "Legal, ninguém nunca fez isso comigo!"

Metamorfose Ambulante

Apesar de não conseguir produzir sozinho, Raul tinha uma relação difícil com seus parceiros. "A personalidade e timidez faziam com que ele nunca se relacionasse nas mesmas condições com seus parceiros. Exceto Marcelo Nova e Cláudio Roberto - que eram da área - privilegiava pessoas que pouco entendiam do assunto", aponta o jornalista Mário Lucena escritor do livro Raul Seixas - Metamorfose Ambulante. Muitas vezes a falta de paciência para explicar seu processo criativo gerava um conflito natural com o companheiro.

O produtor Marco Mazzola, responsável por lançar o artista no cenário musical, revela as dificuldades de trabalhar com ele. "Era muito inteligente e sempre dava um jeito de enganar as pessoas. Quando tinha uma gravação ou show importante, pedia para não abusar das drogas. Não tinha jeito, chegava em sua casa e ele já estava doidão outra vez".

Destacando a parceria com Paulo Coelho, Lucena afirma que ela foi necessária para cada um achar seu caminho, já que um cobiçava o estilo de vida do outro. "No início, o Raul usava uma proposta que não combinava em nada com seu figurino, tinha que passar por essa metamorfose, então assumiu o papel do Paulo. Coelho, que era usuário de drogas e já tinha sido internado algumas vezes, caminhou na direção contrária". Já Mazzola pensa o contrário. "O problema foi ele acreditar no Paulo Coelho e entrar na onda das drogas, acreditar em disco voador e tudo mais". Assim, Paulo Coelho vira um executivo e escritor enquanto Raul transforma-se no maluco beleza que ficou para a história.


Fotos: arquivo pessoal/ Marco Mazzola

GilbertoGil, Marco Mazzola e Raul Seixas passando algumas músicas

Quando acabar o maluco sou eu

Os descuidos com a saúde e o alcoolismo trouxeram problemas para o baiano de Salvador. No final dos anos 70 ele passou por depressão, perdeu parte do pâncreas e foi internado várias vezes. "Eu resumo o nosso convívio como 'de mesa de boteco a ala psiquiátrica'. Estava com um problema por conta da morte do meu pai, fiquei meio maluco, então minha mãe pediu ajuda para Raul me levar para internação. Chegando lá, ele acabou sendo internado junto, por sua última mulher (Lena Coutinho)", revela Sylvio Passos.

Raul Seixas foi encontrado morto por parada cardíaca na manhã de 21 de agosto de 1989, dois dias depois do lançamento do seu último disco, A Panela do Diabo, em parceria com Marcelo Nova. Mesmo depois da morte, o cantor permaneceu nas paradas de sucesso, com álbuns, livros e filmes publicados em sua homenagem.

Neste ano comemorativo, o produtor musical Marco Mazzola lança um kit CD + DVD com material inédito, inclusive com a música Gospel, censurada na época da ditadura. O livro Raul Seixas - Metamorfose Ambulante, de Mário Lucena ganha as lojas em agosto. Já o documentário O Início, o Fim e o Meio, de Walter Carvalho, está em fase final de edição, com expectativa para o final do ano. Embora o cidadão tenha ficado para trás há 20 anos, ainda vai demorar muito tempo para o maluco que fugia do padrão e encantava as pessoas com sua irreverência, sair de cena.

Baú do Raul

Confira algumas frases que ficaram imortalizadas na boca do cantor:

- "Só há amor quando não existe nenhuma autoridade."

- "A desobediência é uma virtude necessária à criatividade."


- "Quando lhe jurei meu amor, eu traí a mim mesmo..."


- "A arte de ser louco é jamais cometer a loucura de ser um sujeito normal"


- "Ninguém morre, as pessoas despertam do sonho da vida."

Atualizado em 6 Set 2011.