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Foto: Morguefile |
Em seu mais recente trabalho, A Comédia Grega, a Companhia dos Pássaros perde uma boa oportunidade para dilacerar um tema um tanto indigesto: que a percepção do trágico perdera seus aspectos no nosso tempo e a importância de entendermos a história como reflexo de nossas ações.
O espetáculo, caminhando pela obviedade dos trocadilhos e acreditando estarem neles suas melhores conquistas, abusa de nomes e sonoridades de palavras gregas ou características dos primórdios da cena trágica, revelando, ao fim, não ter muito mais o que dali ser apreendido. O objetivo nitidamente é a mera diversão do espectador. Distorções morais sobre o homossexualismo e a vaidade feminina valorizam os risos fáceis, com a presunção de se revelar interessante no juntar de tantos clichês.
As comédias sempre conquistam quase imediatamente o público. Reconhecimento e empatia imediatos. Mas talvez seja essa facilidade cega que mais distancie a produção atual do surgimento de bons comediólogos. Sucesso versus profundidade?
A tragicomédia surge na literatura grega após a ida dos comediólogos e trágicos, sobretudo atenienses, para a Macedônia. O afastamento da capital Atenas e das Grandes Dionisíacas (festivais de tragédias), determina aos temas e personagens maior aproximação do cotidiano. Surgem, então, peças mais voltadas à paródia de costumes, e, dentre as questões abordadas, também a tragédia é enquadrada numa trama cômica.
De lá pra cá muito e nada mudara. Os tempos são outros e a humanidade vivenciara do cristianismo a duas guerras mundiais, pestes e dezenas de genocídios, das monarquias à ascensão e queda da utopia socialista, e absorvemos com facilidade o riso sobre o trágico. Levando-nos a perder a capacidade de verdadeiramente o enxergar.
Confundimos nossos dramas, tristezas e derrotas, pessoais e sociais, como sendo tragédias inquestionáveis. No entanto, o trágico exibe sua face na elaboração fatalista de sua trajetória. E sobre isso somos midiaticamente instruídos a compreender, desde o berço, que a fatalidade se dá também na nossa falta de ação. As coisas são como são e nada mais! Será?
Compramos o trágico na ausência de nossas posições sobre os fatos, e lidamos com as devidas conseqüências e nossos erros psicanaliticamente perdoados pelo "a vida é assim mesmo".
Se, por um lado, a tragicomédia renovou o sabor cômico do tratar o social, por outro, escondeu-nos da responsabilidade de sermos permanentemente protagonistas e não meros e passageiros figurantes.
Ao optar pelo riso óbvio do trocadilho agradável, a Companhia dos Pássaros consolida a esperança cristã de estar em mãos maiores as soluções para nossas fatalidades. Riamos, então, é o que nos resta, pois não nos cabe mudar o que de fato é nossa tragédia. Aqueçamos nossas almas com estrondosas gargalhadas enquanto reaprendemos a nos divertir com a imutabilidade dos nossos defeitos.
A Comédia Grega não vai além do título e sua promessa não tem, ao fim, a menor graça. Perdendo uma boa oportunidade para nos lembrar que rir não é o melhor remédio, ainda que o ditado insista em nos convencer, e sim o arregaçar as mangas e se enfrentar frente ao espelho.
Leia as colunas anteriores de Ruy Filho:
? Como lidar com os códigos dramáticos frente as modificações feitas em montagens de clássicos?
? A contemporaneidade de uma tradição
? Closer
? Gob Squad
? O teatro de Henrique Diaz
? Mais Quero Asno... e os recursos do fomento
? El Chingo e os fantasmas de cada um
? Com prosecco e qualidade
? O teatro candango e a morte de todos os dias
? Entre o silêncio e a mudez
? A ciência como pretexto dramático
? A alma decepcionada frente à realidade

O que faz: diretor e dramaturgo.
Pecado gastronômico: carpaccio de pato do Piselli.
Melhor lugar do Brasil: Salvador fora de temporada.
Fale com ele: [email protected] ou acesse o blog do autor
Atualizado em 6 Set 2011.