Guia da Semana



Talvez o maior desafio na carreira de qualquer ator seja encarar sua própria solidão no palco. Essa solidão, muitas vezes, é vivenciada através da criação de um espetáculo em que o ator se prepara sozinho para enfrentar o público, sem apoio, sem companheiros, a não ser ele e sua arte. Tal tarefa é árdua e poucos são capazes de se lançar nesta aventura, uns por medo, outros por total falta de preparo.

Para aqueles que se permitem incorrer nesta experiência os resultados são sempre surpreendentes, pois o ator se desnuda completamente perante o público. Estar só no palco, sem outros que compartilhem desta viagem, permite ao ator descobrir a si mesmo, testar seus limites, sem muletas, sem recursos, apenas com sua arte.

Em Brincando em cima daquilo, Débora Bloch encara o desafio deste enfrentamento com sua arte, protagonizando seu primeiro monólogo, com grande acerto. O texto de Dario Fo e Franca Rame se propõe a desenhar um mosaico da condição feminina e da mulher contemporânea, independente de sua classe social, do país, da época. Uma condição que transcende o próprio cotidiano e que é vivido por Bárbaras, Marias, Lúcias e tantas outras. A mulher que pode não ter nome, mas que é vista no rosto da atriz e das mulheres da platéia.

Débora passeia pelo universo feminino e cria uma cumplicidade direta com a platéia. Enquanto ainda atriz, recebendo seu público, Débora brinca, dança, conversa, faz piada, passeia por entre as fileiras, recebe e dá carinho, os prepara para o início da sua jornada.

O cenário de Bia Lessa, idealizado com grandes caixas de som, nos remetem ao cotidiano da mulher suburbana que apesar de simples é embalado ao som de sua própria trilha sonora. A referência ao grande cartunista erótico Carlos Zéfiro, se faz presente na cena do motel, onde parte do cenário feito de telas brancas, ao se encontrar com a luz negra, descortina sua verdadeira natureza, assim como a da própria personagem, revelando imagens dos cartoons criados por Zéfiro nos anos 50 a 70. Um cenário bem composto, com toques referenciais e de acordo com a proposta do espetáculo.

A iluminação de Samuel Betts, apesar de simples e comum não chega a prejudicar o todo do espetáculo. Apenas perde por não criar um impacto maior do cenário tão bem idealizado por Bia Lessa.

Sem dúvida a grande estrela é a própria atriz, que brinca sozinha em cena como uma criança no seu universo imaginário. Débora tem força, tempo certo de comédia e garante boas risadas no improviso certeiro. Os melhores momentos ficam por conta da interação da atriz com a platéia que ri e participa da pantomima criada por ela.

A trilha sonora de Dany Roland, condizente com a proposta, nos diverte com referências ao cotidiano de um subúrbio que resiste ao tempo na voz de Roberto Carlos mas se rende ao presente, a Zeca Pagodinho e ao funk carioca. O trabalho de direção de Otávio Muller está bem feito e cria um espetáculo leve e divertido.

Uma boa opção e um bom espetáculo para as noites de terças e quartas no Rio de Janeiro.

Quem é o colunista: Celso Pontara.

O que faz: Paulista, radicado no Rio, Celso Pontara é uma mistura de ator, dramaturgo e produtor cultural. É editor do Portal El Jorro - www.eljorro.com.br, o portal que traz notícias sobre a cena teatral carioca.

Pecado gastronômico: Coxinha de camarão do Bar Rebouças no Rio.


Melhor lugar do Brasil: Paraty.


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Atualizado em 6 Set 2011.