Guia da Semana

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Como típico morador já cúmplice da loucura institucional das metrópoles, às vezes paro pra pensar e entendo perfeitamente a aversão de certas pessoas com manifestações culturais distantes do nosso dia-a-dia. Isso inclui, por exemplo, assistir mais um daqueles filmes que retratam cenários e personagens com sotaques caipiras ou nordestinos. É o que chamam "Brasil pobre", o retrato de um país que incomoda àqueles que não se identificam com o que está sendo mostrado nessas histórias.

Entender claro, está longe de aceitar o descaso com esse tipo de comportamento. Renegar qualquer manifestação cultural por falta de identificação, é deixar de lado o prazer em conhecer e desvendar nossas origens.

Nas últimas semanas tenho tido o prazer em levar um projeto pra dentro do sertão nordestino, "Pra lá de onde o vento faz a curva". Parece que entro nas lentes de uma câmera do Glauber Rocha, me sinto um personagem de Ariano Suassuna, ou às vezes, acho que estou procurando o pai do Josué do filme Central do Brasil. Conhecer as capitais nordestinas com cenários típicos de cartão postal com fotos de coqueiros, mar de água cristalina e dunas desérticas nem de longe mostra o que o nordeste tem de melhor: o nordestino.

O choque cultural é significativo. Ao mesmo tempo em que assusta, fascina. Essa denominação de pobre, certamente deve ser indicada pra quem a criou. Claro que quem está acostumado com a comodidade dos serviços de uma cidade como São Paulo, deve no mínimo se encher de paciência e ir despido de qualquer frescura. Há muito tempo, encenei o espetáculo Morte e Vida Severina. Hoje vejo que tolice foi aquela minha composição, conversar com o porteiro do meu prédio certamente não serviu patavina para entender aquele retirante que fiz nos palcos.

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Aqui, "Da Bahia pra cima é tudo baiano". Como 90% da população dessa cidade, não nasci em SP e sempre me incomodou esse preconceito e ignorância de muita gente com mais esse ditado, no mínimo, segregador. Ninguém sai da sua terra porque quer. Essa massa de migrantes nordestinos que deixou o sertão em busca de melhores oportunidades na cidade, aumentou o número de miseráveis nos centros urbanos, que os trata como ninguém.

Já disse que não me proponho a fazer um texto jornalístico, gosto de dar um parecer superficial sobre algum assunto. Tenho enfrentado uma rotina intermodal, que vai desde os meios de transportes "civilizados" até charrete de jegue. E isso só me enriqueceu como artista. Me sinto um representante da Comedia Dell´arte tupiniquim do século XX, um artista mambembe fajuto.

Escreveria páginas sobre cada personagem que tenho encontrado lá. Mas isso eu deixo guardado no meu baú. Tem uma música da Adriana Calcanhoto que acho a cara dessa jornada: Esquadros. Aquelas senhorinhas com batas floridas, sotaque carregado, ora discutindo a filha "pra frente" adolescente, ora jogando cartas nas cadeiras devidamente alinhadas na porta da casa ou alimentando uma fofoquinha sadia sobre a vizinha, cachorro, papagaio, etc. Isso claro antes da novela das 9, ex-8 horas, começar.

A igreja imponente no centro da praça principal, os senhores com sandálias de dedo e chapéu de couro tomando pinga no bar da rodoviária. Aquelas pessoas simples que ao perguntar o nome, informam o sobrenome de supetão, definitivamente me enriquecem como ser humano. Esse, típico de metrópole que anda desconfiado de todos que passam ao seu lado. Que a cada dia se distancia das ruas com medo de seus pares, tem a chance neste trabalho de marcar um encontro por meio da arte com esse povo.

Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome, cores de Almodóvar, cores de Frida Kalo, cores...

Quem é o colunista: Guilherme Gonzalez, administrador e ator do Pará para a Terra da Garoa.

O que faz: Um apaixonado pelas artes que largou a vida da administração para viver do teatro

Pecado gastronômico: culinária paraense.

Melhor lugar do Brasil: São Paulo no feriado.

Fale com ele: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.