Guia da Semana



Tema recorrente em todos os meus textos e conversas, palavra que os brasileiros se orgulham de constar somente no nosso dicionário, a saudade é um sentimento que não possui antônimo nem sinônimo, é aquela que se adapta às coisas boas.

Hoje, como referência juntei três fatos, direta ou indiretamente a saudade me aponta e segue como fio condutor para esse texto.

Gosto de ir ao cinema sozinho. Claro que dividir uma sessão com alguém é uma delícia, mas também não me incomodo de pegar meu caneco de pipoca, me esparramar na poltrona da sala escura sem ninguém ao lado. Na semana passada resolvi pegar a última sessão de uma quarta-feira. Optei por Chega de Saudade da Laís Bodanzky. Pouca gente na platéia por causa do horário, mas ambiente melhor impossível pra acompanhar aquela história.

Filme lindo simples e por isso achei tocante. Me vi naquelas pessoas. Naquele salão entre uma dança e outra você vê a saudade de alguém que se foi, de alguém que queria ter sido, de um abraço que não foi dado. O nome do filme cabe como uma luva.

Sempre vi a velhice com olhos de melancolia, cada ano que passa sinto saudade de algo ou alguém que passou e fica apenas na memória. Confesso que tenho medo de viver do passado, vivo muito o presente, intensamente, mas volta e meia me policio em não ficar recordando o que já foi. O complicado é que adoro ouvir música antiga, até de um tempo que nem é meu, e música pra mim é a verdadeira máquina do tempo. A saudade vem a galope.

Falando nisso, já cheguei na fase de falar: - Isso é do meu tempo. A conversa com um amigo foi outro fato que me levou a escrever. Ele morou fora do Brasil e não nos víamos há mais de dois anos. Depois de colocar os papos em dia ficamos recordando um tempo em que trabalhamos juntos e discutimos sobre a saudade. Ele me colocou como referência o filme Paulinho da Viola -Meu tempo é hoje, nele o Paulinho fala justamente sobre aquela frase "no seu tempo", que costumamos usar para referirmos a uma época que já passou, que uma pessoa já viveu. "Ah, mas no meu tempo era diferente, no seu tempo" Ele diz que o tempo dele é hoje, pois ele ainda vive tudo, e que ele não tem saudade do passado porque o seu passado está sempre com ele.

Interessante ver a saudade como algo físico, presente. A melancolia causada pela lembrança, saudade resume muitos sentimentos. Às vezes escrever apenas "Saudade" pra alguém já é o suficiente pra demonstrar a mistura de um sentimento que unem tantos outros num só.

O último fato pra mencionar aqui é a música tema dessa coluna, título do filme e do bolachão que originou o movimento Bossa Nova. Aproveitando os cinqüenta anos recém completados, essa em especial mistura sentimentos de perda, distância e amor que o dicionário defini esse sentimento que ora nos coloca um sorriso involuntário no canto da boca, ora deixa nos olhos uma lágrima que ameaça cair.

Sinto saudade de amigos que passaram, parentes que se foram, da minha mãe que mora longe, de conversar no final da noite com meus irmãos, da infância que passou rápido, do tempo que não precisava pagar contas e sobretudo de alguém que nunca fui e queria ter sido.

Mas chega de melancolia! Vou seguir o que o Paulinho fala e viver mais o presente. Li certa vez que o ser humano passa mais da metade da vida pensando no passado e no futuro e deixa de viver o hoje. Vou deixar pra recordar músicas e fatos num salão de baile daqui a alguns anos.

... Dentro dos meus braços, os abraços Hão de ser milhões de abraços Apertado assim, colado assim, calada assim ... Quem é o colunista: Guilherme Gonzalez.

O que faz: Paraense, radicado em São Paulo, Guilherme Gonzalez é uma mistura de ator e produtor cultural. É um dos fundadores da Cia. Teatro de Janela.

Pecado gastronômico: Sorvete de tapioca.

Melhor lugar do Brasil: Praia do Amor em Pipa (RN) bem acompanhado.

Fale com ele: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.