Guia da Semana

Foto: Marcos Camargo

Anna Gulhermina em Estrela Brazyleira a Vagar - Cacilda!!, peça escrita e dirigida por José Celso Martinez Corrêa e Marcelo Drummond

Cacilda Becker é um dos ícones do teatro brasileiro. Ela foi símbolo de uma vida intensa dedicada à carreira de atriz. Nasceu em Pirassununga, São Paulo, em 1921, e sempre trilhou um caminho ligado ao universo das artes. Quando tinha 9 anos, Cacilda mudou-se com sua mãe e sua irmã, a também atriz Cleyde Yáconis, para Santos, litoral paulista, onde começou a frequentar os círculos boêmios e vanguardistas da cidade. A partir daí, aproximou-se do teatro amador e, em 1948, profissionalizou-se.

Durante os 30 anos de carreira, Cacilda encenou 68 peças, fez dois filmes (Luz dos Meus Olhos, em 1947, e Floradas na Serra, em 1954) e uma telenovela (Ciúmes), que foi exibida na TV Tupi em 1966, além de participações em teleteatros. Aos 48, teve um derrame cerebral durante uma atuação na peça Esperando Godot, de Samuel Beckett, e, ainda com as roupas da personagem, foi levada ao hospital, onde morreu após 38 dias de coma.

Hoje, 40 anos após sua morte, Cacilda Becker é a musa inspiradora de peças teatrais, filmes, livros, histórias e, claro, de muitas atrizes contemporâneas. Em 1998, o diretor do Teatro Oficina, José Celso Martinez Corrêa, levou ao palco a primeira parte de uma tetralogia de 1000 páginas sobre a vida da atriz. Nessa época, Leona Cavalli e Bete Coelho se revezavam no papel de Cacilda.

"Foi um grande desafio, a primeira protagonista que fiz no Teatro foi Cacilda, que trouxe a responsabilidade de ser o fio condutor de uma história, com o trabalho árduo e disciplinado que isso pede. Acho que me tornei profissional de fato ali. Com toda a complexidade de viver em cena a trajetória de uma grande atriz, escrita e dirigida por um grande diretor, estudando a história do teatro brasileiro e fazendo parte dela", conta Leona Cavalli sobre sua experiência na peça Cacilda!.

Em setembro deste ano, Zé Celso escolheu o Rio de Janeiro para a estrear Cacilda!!, que retrata o período que vai dos 20 aos 26 anos de Cacilda Becker, que nessa época chegava à Cidade Maravilhosa. Quem vive Cacilda no atual espetáculo do Oficina é Anna Guilhermina, uma jovem atriz de 26 anos que já está há 7 anos na companhia. "A trajetória da Cacilda é inspiradora para qualquer artista. Ela é como um vinho de teatro. Qualquer atriz tem um pouco de Cacilda dentro de si. A história da vida dela é a história do teatro brasileiro", afirma Anna.

Mas, na grande festa dionisíaca proposta por Zé Celso, a energia da atriz mitológica é evocada por todos os artistas que participam da cena. "Não é somente uma pessoa que faz Cacilda. Ela é a força do teatro. Ela traz esse fogo e é como um raio. Cacilda Becker tinha uma eletricidade, um corpo elétrico que mexia com toda a plateia. Interpretá-la, viver um instante do teatro, daquela experiência de vida, e compartilhar isso com o público e com todos os atores, tudo isso é Cacilda.", diz Anna.

Foto: Divulgação

Leona Cavalli foi protagonista da peça Cacilda!, de José Celso Martinez Corrêa

Vida e arte

Assim como Cacilda Becker, Anna Guilhermina nasceu em uma família de artistas. Hoje, dedica sua vida inteiramente ao teatro. "Eu nunca me imaginei longe da carreira da atriz. Nesse ponto, eu me identifico com Cacilda. A minha vida também se confunde com o palco. Eu engravidei em uma cena em que eu era um pedaço de terra e um índio plantava uma semente em mim, em Homem I, de Os Sertões. Depois, atuei grávida e a bolsa estourou em cena. Quando meu filho nasceu, eu saí do hospital e enterrei minha placenta na árvore Oficina. Eu misturo a minha vida com a minha arte", narra Anna.

Para Leona, o que a ligou à Cacilda foi a imensa paixão pelo teatro, a interpretação como necessidade vital, a fé e a determinação. "Cacilda foi uma das primeiras atrizes a reconhecer e ser reconhecida como profissional e estrela na cena teatral brasileira. Desde a infância, teve imensa determinação, era inquieta, com um jeito único de interpretar e um enorme sentido de liderança. Defendia a classe artística, sabia da importância de sua atuação em cena e fora dela, conseguiu ser uma síntese do teatro", diz.

Uma atriz

Foto: Marcos Camargo

Anna Guilhermina em cena de Estrela Brazyleira a Vagar - Cacilda!!, que está em cartaz no Teatro Oficina, em São Paulo

Para compor a personagem, tanto Leona quanto Anna leram o livro Uma Atriz: Cacilda Becker, escrito por Maria Thereza Vargas e Nanci Fernandes. Além de teórica e pesquisadora, Maria Thereza foi uma das melhores amigas de Cacilda Becker, o que a motivou a escrever a biografia da atriz. "Cacilda fez parte da mocidade que tomou de assalto a arte cênica, a partir do final dos anos 30. Estudantes, universitários ou não, chegaram aos palcos mais instruídos e, sobretudo, contribuíram para derrubar o mito de que o teatro era uma arte exercida por marginais", afirma a pesquisadora.

Segundo Maria Thereza, ver Cacilda nos palcos era uma experiência contagiante e transformadora. "Sem dúvida, o público era tocado pela total entrega que fazia de si mesma às personagens que interpretava. Alegria, tristeza, inquietações e uma intensa experiência de vida moldavam as suas criações, tornando-as vibráteis e cheias de energia, atingindo em cheio o espectador". Para ela, a artista foi fiel ao seu talento e o exerceu de forma sublime. "Cacilda foi antes de tudo alguém que cumpriu à risca sua vocação, realizando com coragem, perseverança e gestos de humildade frete ao trabalho", afirma.

Para interpretar Cacilda, Maria Thereza lista algumas características necessárias: "ímpeto, alegria, paradoxalmente temperados por uma certa melancolia". Ao ser questionada sobre o legado que a geração artística atual herdou de Cacilda Becker, a teórica dialoga. "Seria a energia que permeia muitas das grandes interpretações hoje em dia? Ou então a coragem para enfrentar as agruras do teatro? Ou, quem sabe, a fidelidade incondicional à profissão escolhida?".

Atualizado em 10 Abr 2012.