Guia da Semana

Foto: Cacá Bernardes

Glau Gurgel interpreta Noel Rosa nos palcos do Teatro Brigadeiro, em São Paulo

Com ele, o samba do morro desceu para o asfalto, conquistou as rádios e caiu nas graças da classe média que ainda torcia o nariz para qualquer criação do subúrbio. E foi fazendo muita graça que ele mostrou ao mundo o Feitiço da Vila, da Vila Isabel, onde ele nasceu, e bradou aos quatro ventos a Felicidade mesmo já sabendo que morreria cedo por sua saúde frágil.

Noel Rosa nasceu de um parto difícil que lhe causou um afundamento na mandíbula e aos 20 anos já sofria do mal do século passado e dos poetas românticos: tuberculose. Mesmo assim, não largou a vida boêmia, jogou muita Conversa de Boteco, se formou em Escola de Malandro e apaixonou-se por muitas mulheres. Casou-se, mas não esquecia a Dama do Cabaré e suas diversas amantes. Cronista do cotidiano fez sucesso ao indagar Com que Roupa? iria para o samba e celebrava a vida anunciando que quando morresse não queria choro nem vela, mas só uma Fita Amarela gravada com o nome dela.

O poeta da Vila viveu apenas 26 anos e com somente oito de carreira compôs cerca de 300 sambas que foram eternizados na história da música popular brasileira. Imprimiu novos ares ao ritmo e é influência assumida de nomes como Chico Buarque e Paulinho da Viola.

Do morro para os palcos

Foto: Cacá Bernardes

Além de diretora da peça, Cybelle Giannini também faz o papel de Dona Martha, a mãe do Noel

Não fica difícil perceber que Noel Rosa está para a música assim como a música está para Noel Rosa. E foi pensando nisso que Cybelle Giannini escreveu e dirigiu a montagem Nöel Rosa, o músico, o poeta, o cronista de uma época, que reestreia no Teatro Brigadeiro, em São Paulo. Depois de uma temporada curta em cartaz, em 2007 e 2009, o espetáculo conta a vida do cantor e compositor por meio de suas obras, que são explicadas à luz do fato que inspirou cada criação.

Das clássicas canções que fazem sucesso até hoje e foram regravadas inúmeras vezes às que de alguma forma retratam sua vida ou marcaram a história por sua crítica social integram o musical. São 42 músicas tocadas ao vivo pelo Grupo JB Samba, acompanhado dos tecladistas Reinaldo Sanches ou Renan Guazelli, e cantadas por 12 atores da Companhia Grita Absoluta, que se revezam no palco para interpretar os 42 personagens.

A peça mostra também seu drama familiar (o pai suicidou-se e seu irmão era epiléptico), os problemas de saúde e até a polêmica musical com Wilson Baptista - Noel ficou incomodado com a música Lenço no Pescoço, que fazia apologia à malandragem, e compõs a canção Rapaz Folgado. Em resposta, Wilson escreve Conversa Fiada e Mocinho da Vila, recebendo, como resposta de Noel, Palpite Infeliz. "Procuramos abordar tudo isso de uma forma mais leve porque ele mesmo já tratava assim, dizia que preferia viver intensamente a viver extensamente", explica a diretora Cybelle.

Foto: Luiz Roberto Gianinni

Além dos 12 atores do elencos, o Grupo GJ Samba toca ao vivo as 42 canções

Noel e seu último desejo

Para interpretar o franzino carioca, Glau Gurgel teve que perder seis quilos e ensaiar várias vezes com um anestésico tópico aplicado na bochecha para se acostumar a falar mais com um lado só da boca. Além do treinamento físico de colocar o queixo um pouco para dentro, neutralizar o sotaque cearense e adaptar o canto lírico de sua formação para uma versão mais popular, o ator teve que aprender também o andar tipicamente malandro do sambista.

Mais importante que tudo isso, segundo Glauber, foi assumir o que ele chama de "espírito Noel Rosa"."Para ele, nada era um problema sem solução. Por mais que a vida fosse séria e difícil, sempre era possível olhar por um ponto de vista positivo e brincar com isso, e assim a vida poderia ser mais leve", afirma.

Como um bom apaixonado que sempre foi, o poeta da vila fez seu Último Desejo em letra de música, dedicada ao grande amor da sua vida, a bela dançarina de cabaré Ceci, que nos palcos é interpretada por Aurea Giovanini - que faz também o papel da Araci Cortes, que canta a famosa Com que Roupa? E em ritmo de samba-canção, ele assume seu mais profundo Noel Rosa e pede que ela diga às pessoas amigas que lhe adora, que lamenta e chora a separação, mas às pessoas que eu detesto, diga sempre que eu não presto, que o meu lar é o botequim.

Confira a seleção do Guia da Semana de discos e livros para quem quer conhecer melhor a vida do sambista:

Arte: Fernando Kazuo


Atualizado em 6 Set 2011.