Guia da Semana



Desde o fim de 2008 e início de 2009, várias discussões a respeito dos planos de incentivo à cultura criados pelo governo nacional estão em mesas de debates. Alguns tópicos para possíveis mudanças ainda estão em andamento para aprovação na Casa Civil - serviço que tem como objetivo prestar serviço ao Chefe de Estado ou ao Governo.

Um projeto que deu o que falar foi a Lei Rouanet. Criada há 18 anos, a também chamada Lei Federal de Incentivo à Cultura tem como principal finalidade estimular a produção cultural e, principalmente, facilitar seu acesso. No início deste ano, a lei passou por algumas reformulações que estão em fase de aprovação. Entre elas está a porcentagem dos empréstimos que o Fundo Nacional de Cultura (FNC) faz. Atualmente a doação é de apenas 80% do valor do projeto, com 20% de contrapartida. Caso seja aprovada, o FNC poderá fazer empréstimos nos valores que desejar, além de poder associar-se a programas sociais.

Porém, a dificuldade não está somente na procura de patrocínios e também ser apoiado pela Lei. Muitos produtores têm que se preocupar com elaboração, construção e divulgação do espetáculo. O Guia da Semana conversou com três profissionais desse ramo, que relataram as grandes dificuldades da produção teatral no Brasil hoje.



Complicado ou perfeito?

Quando um produtor dá início a um projeto - em que é necessário saber exatamente qual é a história, elenco, estrutura do palco, iluminação, figurino, entre tantos outros detalhes, - é preciso ter paciência e saber lidar com as mais variadas situações que sempre acontecem de última hora. Para o escritor, ator e produtor Alexandre Pontara "há dois tipos de produção: a com dinheiro e a sem dinheiro. O mais difícil hoje é captar o dinheiro para começar a produção e o primeiro passo é ter uma boa rede de contatos no meio artístico e em empresas para começar".

Mas essa é apenas uma barreira inicial que pode ser vencida. "Após esse obstáculo, o trabalho de produzir é geralmente corrido e com poucas dificuldades, desde que haja um bom planejamento. É claro que se a opção for por produzir um espetáculo sem recursos, os graus de dificuldades serão muito maiores e o estresse na produção é inevitável, pois você passa a ter que contar com apoio para tudo o que se refere ao trabalho", completa o ator.

Escolha do elenco...

Criar um personagem não é tão complicado quanto a escolha de quem irá interpretá-lo. Muitos atores e atrizes não possuem tempo para conciliar seus trabalhos ou estão com uma nova proposta em vista. Isso depende muito de quem o produtor quer convidar para a atuação e se o convidado poderá disponibilizar seu tempo para os ensaios. "A escolha do elenco não é difícil. O difícil é coordenar os horários para que o primeiro elenco escolhido consiga ser o final. Algo fundamental durante a montagem é termo um tempo considerável no teatro, principalmente antes da estreia, para verificarmos se o espetáculo está realmente pronto para estrear", explica a atriz e também produtora dos seus próprios trabalhos Carol Portes.



Mas essa escolha precisa ser criteriosa e é necessário que os atores e atrizes façam testes e leituras, pois o diretor e produtor precisam verificar se eles possuem as características e condições de defender esse personagem. Já Alexandre Pontara acredita que "sempre existe a opção de se utilizar os serviços de um produtor de elenco para fazer uma seleção inicial, o que só é utilizado por grandes produções. No meu caso, procuro fechar o elenco com atores que gostariam de trabalhar e com as sugestões do próprio diretor. Com a leitura inicial é possível definir se o ator é o certo para o personagem".

O incentivo vale a pena?

Desde sua criação em 1991, a Lei Rouanet passou a ter destaque nas grandes mídias e também nas produções culturais, principalmente depois de suas mudanças em 2008. O ator e produtor Guilherme Gonzalez está na produção teatral há dois anos. A lei, como em todos os setores, beneficía somente alguns. "Já coloquei um espetáculo em cartaz no Rio de Janeiro que não estava contando com a lei. Chegamos a inscrevê-lo para conseguirmos o apoio e realizarmos temporadas em outras cidades. Ficamos muito felizes quando recebemos a notificação. Já se passaram dois anos e nunca conseguimos captar recursos para colocar a peça em cartaz. Isso é muito frustrante", conta.

Outra questão duvidosa é a respeito dos valores que são pedidos pelos projetos colocados na lei. "Quem é o contribuinte, no final das contas, é o governo. No fundo, as empresas não estão desembolsando nada de seus caixas, apenas repassando um dinheiro que já era devido. Eu não consegui entender até hoje quais são os critérios usados no processo de seleção dos projetos a serem apoiados por uma empresa, pois vejo alguns não acontecerem por falta de dinheiro e outros, de qualidade duvidosa, em cartaz muitas vezes cobrando preços altos de bilheteria", desabafa Alexandre Pontara.

O ator também ressalta que "o produtor tem o direito de cobrar o quanto ele quiser pelo ingresso, mas o certo e justo seria cobrar valores menores para o público, já que estão usando de dinheiro público".



Quando não há apoio

De acordo com o site do Ministério da Cultura (MinC), em março de 2009 aconteceu a 163ª reunião da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, que aprovou 500 dos 593 projetos apresentados. Mesmo assim, as produções que não tiveram o apoio lutam para que seu trabalho seja reconhecido aliado a um desejo de fazer arte. Para Pontara "a maioria se junta em torno de um sonho e isso é muito positivo, pois é daí que surgem grandes trabalhos. Já vi peças com poucos recursos e que eram brilhantes na concepção e outros com grandes recursos que eram uma tristeza. Hoje, com a internet, os meios de divulgação se tornaram mais acessíveis, o que facilita você chegar até seu público, além de contar com os amigos para fazer o 'boca a boca'".


Ainda falta muito...

A produção cultural no Brasil é muito grande. Muitos palcos revelam espetáculos que levam diversas críticas e muitos museus expõem trabalhos de artistas plásticos que, de alguma forma, correm atrás de seu espaço na divulgação de suas obras. Mas o acesso do público ainda é difícil, além do incentivo do governo, mesmo contando com a Lei, ainda ser pouco. "Quero que eles ouçam nossas propostas, acreditem mais em nomes novos, na renovação que não só o teatro, mas qualquer manifestação cultural possa ter. Chega de cartas e nomes marcados", finaliza Guilherme Gonzalez.

Atualizado em 6 Set 2011.