Guia da Semana

Fotos: cenas da peça Os 120 Dias de Sodoma


O fim de semana chega e você decide fazer um programa, e o teatro é uma das opções. Você escolhe uma peça, compra o ingresso, se acomoda na sala e aguarda o início do espetáculo. Poucos minutos após o início, alguns atores ficam nus na sua frente. Na platéia, as reações e expressões são as mais diversas possíveis. Uma pessoa olha constrangida, a outra um pouco indignada, há até quem se espante. E aquelas cenas te levam a pensar sobre a necessidade ou não da falta das roupas.

O nu no teatro foi ousado pela primeira vez no Brasil em 1970, pelo ator Raul Cortez, na montagem de O Balcão e até hoje é considerado uma forma de expressão estética e social, e pode ser um elemento interessante para servir de ponte de comunicação entre os personagens e o público. Sua finalidade é, portanto, transmitir a mensagem ao espectador da forma mais eficaz possível, já que para algumas pessoas o nu é visto como uma forma agressiva de exposição.

Por isso, os diretores têm o cuidado de estudar e debater o texto com o seu grupo para definir a real necessidade de seu uso e finalidade. Porém, alguns estudiosos e profissionais deste meio acreditam que atualmente, muitos espetáculos se utilizam do nu de forma gratuita apenas com a intenção de vender mais ingressos e aumentar o marketing em torno dele.

Em entrevista ao Guia da Semana, o professor de interpretação e improvisação da Unicamp (Universidade de Campinas), Mateo Bonfitto, acredita que o uso do nu é relativo a cada trabalho. "Alguns espetáculos usam o nu com um propósito maior, mas em alguns outros utilizam como elemento de atração de público e ferramenta comercial".

Segundo ele, isso tem se disseminado, cada vez mais, nos palcos dos teatros como uma herança da lógica de mercado da própria televisão que explora a nudez e a sensualidade para ganhar mais ibope e vender comerciais.

Bonfitto, ator há mais de 20 anos, disse que, apesar da lógica de televisão ser aplicada também nas peças, a reação do público ao ver cenas de nudez no teatro é diferente do que se fossem vistas pela televisão. "A sensação que temos quando vemos o nu pela tela é uma espécie de proteção. Já que não há nenhum contato próximo com o corpo do outro. No teatro, a impressão é de que estamos compartilhando todas as ações dos personagens já que estamos próximos fisicamente", explica.

Uma questão social
Algumas peças utilizam o nu como instrumento poético, como nas montagens de Nelson Rodrigues. Outras para contestar e fazer uma reflexão social, política e até econômica como em 120 Dias de Sodoma, do Satyros.

Escrito por Marquês de Sade, em 1785, o livro foi adaptado ao teatro e, assim como na literatura, seus personagens aparecem em constantes cenas de nudez. A decisão de utilizar o nu também no espetáculo veio do estudo da obra feita pelo diretor Rodolfo García Vazquez que percebeu que a nudez atuaria como um fator para dar mais impacto aos sofrimentos das vítimas que eram humilhadas por seus libertinos.

O diretor da peça, diz que a "a grande questão não é nudez pela nudez, e sim o discurso oculto destas vítimas". A peça, que faz críticas a política brasileira, tem a intenção de mostrar também a falta de ação do povo diante de alguns fatos. "O que faz uma vítima se permitir a esta condição de humilhação que os libertinos a colocaram? Isto também ocorre com a nação brasileira", afirma o diretor.

Segundo Heitor Saraiva, 52, ator que interpreta um dos libertinos na peça, a preparação para encenar sem roupa é mais no campo do conteúdo. "Não tive problemas nenhum em tirar a roupa, porque você estuda e entende o porquê está fazendo aquilo, nada é gratuito", afirma.

Algo curioso é que durante os ensaios da peça os atores não tiram suas roupas. Mas, durante a entrevista, Heitor conta que em um destes ensaios dois atores em uma ocasião tiraram suas roupas. "O nu é muito natural quando você estuda e entra na vida do seu personagem", relembra sorrindo.

Uma outra atriz da peça, Hevelin Gonçalves, 27, disse que para ela e para alguns outros atores a dificuldade de ficar nu tem a ver mais com a estética. "Eu já fiz peças que estar com corpo sarado era pré-requisito para tirar a roupa, mas em 120 Dias de Sodoma isto não é necessário. Para Sade, um corpo descoberto é só mais um dentre muitos.", afirma a atriz.

"O nu não pode ser gratuito, até porque o público percebe isso. Ator com consciência não aceita fazer o nu por acaso, pois para quem interpreta é preciso ter conteúdo para desempenhar bem a proposta", finaliza a atriz.

Atualizado em 10 Abr 2012.