Guia da Semana

Foto: João Caldas

Denise Fraga no espetáculo A Alma Boa de Setsuan

Numa paixão pelo texto de Bertolt Brecht, Denise Fraga namorou durante sete anos o projeto de montar A Alma Boa de Setsuan em parceria com Marco Antônio Braz. A espera valeu a pena. Em cartaz desde julho de 2008, o espetáculo já fez turnê por mais de 15 cidades e teve cerca de 80 mil expectadores, sendo considerada a peça mais vista nesse tempo, além de ganhar diversos prêmios, como APCA 2008 de melhor atriz e espetáculo e, Shell para melhor direção. "Estou muito feliz porque nunca me apropriei de um discurso de um autor como estou fazendo agora", disse a comediante.

Em meio a vários projetos, como o espetáculo que volta para São Paulo em temporada popular no TUCA, cinema e o novo programa na TV, Denise Fraga bateu um papo com o Guia da Semana sobre as dificuldades de fazer teatro, realizações na TV e a paixão por Brecht. Confira!

Guia da Semana: Como surgiu a ideia de fazer a Alma Boa de Setsuan?
Denise Fraga: Eu queria muito trabalhar com o Marco Antônio Braz por gostar muito das coisas que ele produzia. Há sete anos nós combinamos de fazer algo juntos e começamos a ler várias coisas, uma delas foi A Alma Boa de Setsuan e a partir daí eu não queria fazer mais outra peça. Acho que foi o trabalho que mais quis fazer na minha vida. Adoro o texto.

Guia da Semana: A peça já está em cartaz há mais de um ano, se apresentou em 16 cidades e teve mais de 80 mil espectadores, você imaginava que seria esse sucesso?
Denise Fraga: Não, não acreditava nisso não. Acreditava na popularidade do texto. O que me encantou foi exatamente isso, como o Brecht consegue falar de um assunto que todo mundo se identifica e ao mesmo tempo ser tão filosófico, com esse dilema humano de como agir. Gentileza gera gentileza automaticamente, não precisa ser duro para se fazer respeitar e ele fala disso com um humor imenso, de uma questão que é muito profunda e faz isso de uma maneira muito divertida. Então, esse texto estando na mão do Braz e o elenco de apoio na maioria de comediantes, teve como resultado o sucesso. Torci e trabalhei pra isso, para a comunicação desse Brecht com popularidade, mas daí eu achar que ficar oito meses com casa lotada, uma turnê inteira lotando teatros de mil lugares, confesso que eu não imaginava. Estou muito feliz porque nunca me apropriei de um discurso de um autor como estou fazendo agora.

Guia da Semana: Qual é o ponto levantado por Brecht que mais te chamou atenção no espetáculo?
Denise Fraga: Acho que o fato de ele falar coisas importantes com humor, que é o maior meio de comunicação que existe. Você pode falar das coisas mais caóticas com humor, não digo que você vai provocar gargalhadas com tragédia, mas acho que se você conseguir olhar a miséria do mundo com um olhar irônico, de alguma maneira já consegue criar alguma ilusão de esperança sobre ela. Fora isso, o que me cativa é mostrar que a gente não presta atenção para pequenas coisas, a gente se acostuma com a rotina diária e não para fazer uma gentileza no trânsito, por exemplo. Se um cara te fechou, você tem que emparelhar o carro e pedir desculpas, você não sabe como isso é transformador, como isso muda o nosso dia. A gente prefere se fechar nas nossas bolhas individuais para não comprometer com o outro

Guia da Semana: Como foi retornar aos palcos do Rio após 18 anos?
Denise Fraga: Foi muito emocionante. Ainda mais porque foi no Teatro dos Quatro, que é um teatro que eu frequentava desde os 12 anos com a minha mãe. Depois, estudando teatro, fui várias vezes ver Fernanda (Montenegro), Sérgio Britto, Ítalo Rossi, Ary Fontoura, Paulo Gracindo... Era um teatro de grandes produções com grandes atores. Retornar ao Rio, depois de 18 anos sem pisar em um palco carioca e mais especificamente nesse teatro, foi muito emocionante pra mim. Minha mãe que assistiu diversas vezes o espetáculo estava muito feliz.

Foto: João Caldas

Na peça a personagem fica entre o bem e o mal

Guia da Semana: Por que você ficou tanto tempo longe?
Denise Fraga: Porque estava com vários trabalhos na televisão e ficar uma temporada no Rio exige muito tempo, ia ficar muito longe de casa, vários fatores acabaram fazendo que eu ficasse 18 anos longe.

Guia da Semana: O que você mais sente falta no teatro brasileiro?
Denise Fraga: O Teatro teve uma diversificação muito grande, o número de peças aumentou, a gente olha no jornal e se assusta com a quantidade de coisas para ver. Mas você não tem mais a possibilidade de manter uma produção sem patrocínio. O que eu sinto falta é de uma época que a Fernanda (Montenegro) conta: ela ia ao banco, pedia empréstimo, colocava a peça em cartaz e depois pagava o banco. Mas isso hoje não é mais possível, tudo diversificou e ao mesmo tempo pulverizou o público, muitas pessoas não tem acesso ao teatro, muitos pelo preço, muitos pelo hábito. O que eu sinto falta é da possibilidade dessas grandes produções, por isso você vê o número de monólogos em cartaz é uma maneira segura de colocar uma peça no circuito sem ter prejuízo. É muito difícil manter o salário dos atores de um elenco grande, essa peça mesmo, você não consegue ganhar dinheiro, apesar de todo o sucesso, um dinheiro que faça a peça andar sozinha. Foi uma peça que me deixou com as pernas tremendo como produtora. Queria muito fazer, mas sabia que podia ser uma grande encrenca, se não fosse bem na primeira temporada em São Paulo, se não fosse lotado logo de cara, talvez não conseguisse ficar mais de um mês em cartaz.

Guia da Semana: O que você acha do Vale Cultura?
Denise Fraga: Todo incentivo cultural é muito bem vindo. As leis de incentivo tem uma importância danada nessa pluralidade cultural.

Guia da Semana: Como foi produzir o filme O Contador de Histórias, filme dirigido pelo seu marido?
Denise Fraga: Também é um projeto de muito tempo, é uma história que o Luiz Villhaça (diretor do longa) quer contar há sete anos. Na verdade foi muito curioso o que aconteceu com a gente em 2008, porque eram dois projetos (Alma Boa de Setsuan e O Contador de Histórias) que estavam no forno há sete anos, particular de cada um e trabalhamos neles juntos, onde eu atuo como produtora do filme e ele é produtor na peça. Somos os palpiteiros oficiais de cada um. Nós atuamos como produtores no desejo de cada um. E agora é muito bacana ver o filme aí, dando resultado que está dando, as pessoas amam. O Luiz teve uma singeleza, uma delicadeza, é uma história que é completamente emocionante, mas que se não tomar cuidado, pode se tornar piegas, então ele fez o filme com humor delicado, inteligente. As pessoas saem do filme com esperança.

Guia da Semana: O que falta para o cinema brasileiro ganhar o Oscar?
Denise Fraga: A coisa do Oscar é muito relativa. Pra mim o Oscar é looby. O certo seria perguntar quando vamos ter um reconhecimento real lá fora. Porque a gente está bem, em muito pouco tempo ocupamos o cenário internacional de uma maneira muito boa, o que mostra que a gente tem talento para esse negócio. A indústria cinematográfica de produção está correndo solta, antigamente se fazia um filme ou dois por ano, agora são mais de 50 filmes lançados, é uma loucura. O que eu vejo é que o escoamento disso ainda é complicado. O filme entra e sai de cartaz com uma velocidade muito grande e isso dá um nervoso danado. Se tiver um filme nacional que você queira ver, vai ver assim que ele entrar em cartaz, porque o acontece é: se vai bem na primeira semana, a gente fica a segunda, a segunda que faz ganhar a terceira e assim em diante.

Foto: Divulgação/ Tv Globo

Denise Fraga e Fernanda Montenegro na série Queridos Amigos

Guia da Semana: Como será o seu novo programa de TV, já tem data de estreia?
Denise Fraga: Fiz um blog para discutir os temas que a gente vai abordar no programa. Ele vai tratar sobre a vida depois da separação, como recomeçar. A Norma (personagem central) é uma mulher que trabalha em um instituto de pesquisa e se influencia por essas pesquisas, então como ela é uma pessoa um tanto quanto insegura, se guia pelos percentuais para checar se a atitude que tomou está certa ou errada. A particularidade é que em um dos cenários, a gente grava com plateia, e em algum momento a cena vai parar para essa plateia dizer o que acha daquele assunto e às vezes vai interferir no curso da história. Estréia agora no segundo semestre, mas ainda não sei a data exata.

Guia da Semana: Qual das oportunidades de trabalho você encara com mais prazer, cinema, TV ou teatro?
Denise Fraga: Tenho tido prazer em todos os veículos. O que faz bater o coração é gostar do que está dizendo, eu vejo isso no Alma Boa e no Contador de Histórias, projetos que estou envolvida agora. Eles falam de coisas que eu queria falar e sempre com a linha fina do humor. Esse é o meu terreno preferido em vários sentidos, tanto no teatro como no cinema e na TV.

Guia da Semana: Você é conhecida por fazer papéis cômicos, tem medo de ficar rotulada?
Denise Fraga: Já foi o tempo. Não me sinto uma comediante, uma pessoa engraçada que sempre faz graça em qualquer lugar. Gosto de falar das coisas com um traço de humor, acho que essa que é a questão. Eu gosto de fazer, mas não significa que faça só isso. Há dois anos atrás fiz Ricardo III, que era uma tragédia só, fiz Queridos Amigos na Globo, que também era um personagem dramático. Recebo convites que me fazem crer que não sou só uma comediante.

Guia da Semana: Se sente realizada profissionalmente?
Denise Fraga: A gente sempre tem sonhos, mas me sinto muito realizada profissionalmente, sim. Meu sonho é continuar, continuar até estar bem velhinha. Quero morrer nisso, morrer dentro da ficção.

Guia da Semana: É difícil manter a profissão de atriz com a carreira de mãe?
Denise Fraga: Esse é o meu melhor papel, é o que eu mais gosto de fazer. Todo o tempo me preocupo muito com isso, estou sempre presente. Agora eu acabei de fazer a turnê da peça, que é o que mais me dói: viajar e deixar meus filhos em casa, mas também era só de fim de semana. Sempre tento estar perto. A infância é uma fase da criança que passa muito rápido. Eu escrevo sobre isso para uma revista, e esses textos vão virar um livro agora no começo de 2010.




Atualizado em 6 Set 2011.