Guia da Semana

Lápis nos olhos, franja bem cuidada e choradeira fizeram a fama do NX Zero


Quando a MTV reuniu no último VMB a cantora Pitty, o guitarrista do Hateen, Fabrizio, o ex-baixista do Charlie Brown Jr., Champignon, e o baterista do CPM 22, Japinha, eu temi pelo pior. A caixa de Pandora do rock nacional havia sido aberta.

Logo a chamada Banda dos Sonhos tentava inutilmente entrar nos eixos em uma versão duvidosa de Ainda É Cedo, do falecido e mal enterrado Legião Urbana. No palco, os quatro integrantes simbolizavam não apenas a escolha da audiência, mas o caminho aparentemente sem volta que o rock brasileiro havia tomado. Uma breve espiada na programação das rádios ou no repertório de novos grupos enterra qualquer dúvida sobre o estado convalescente do gênero.

A praga emocore pegou geral

A choradeira é geral e inundou os quatro cantos do país. Aquela imagem do sujeito que passou sabão de coco na franja e lápis no olho surgiu como um pesadelo breve, uma aberração que de tempos em tempos toma corpo e se consolida como tendência. Mas que triste surpresa: lá se vão anos e a rapaziada continua entoando a mesma ladainha melosa.

Assim, o rock nacional não perdeu apenas o que restava de sério, mas também o deboche caprichado que cimentou o caminho de muita gente competente. Restam versos de uma pobreza lamentável, de um lirismo piegas, digno de vergonha alheia. Fica a impressão de que cada canção deve carregar uma mensagem de otimismo, como se o fã precisasse a todo o momento de um tapinha nas costas, de um incentivo que não engana mais ninguém.

Experimente escolher aleatoriamente canções de grupos como NX Zero e Hateen e outras tantas de pagode, mas daquele pagode bem chinfrim. Embaralhe-as e as leia calmamente, logo perceberá que não é mais possível distinguir um gênero de outro, pois ambos se equivalem em rimas, versos e temas. Basta um pouco de esforço para o pessoal do hardcore melódico trocar a guitarra pelo cavaquinho, o lápis de olho pelos óculos escuros.

Cascata sem fim

Teoria darwinista e empulhação
Admirável Chip Novo é o nome do primeiro álbum da cantora Pitty. O título é um trocadilho tão medíocre quanto pretensioso com uma das obras mais conhecidas do escritor Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo. Desde o principio de sua carreira, a baiana, que hoje só não faz chover no pátio da indústria fonográfica, primou por uma combinação de falsa erudição, auto-ajuda de segunda e romantismo bocó. Quando ouço "Ah! Malditos cromossomos / Teoria darwinista / O fruto, o meio e a iniciativa / Livre-arbítrio ou prisão / Genealogia da exclusão" meus piores instintos vêm à tona.

Menos culto, mas dono de um sucesso tão retumbante quanto o da compositora baiana, o Charlie Brown Jr. fez escola propagando o manual do malandro redimido, bom de bico e com paz no coração - quando não está quebrando o nariz de terceiros. A malandragem, aliás, une os santistas aos cariocas do Rappa. Até hoje não sei se não compreendi a letra de Reza Vela por não ter atingido a iluminação necessária para tanto ou por simplesmente não compreender o idioma próprio do grupo de Falcão.

Cansei de Ser Bobo

Até a cena independente, que vira e mexe revela safras de talentos refinados, insiste em regredir quando trata como gênios inovadores a patota da new rave, ou seja Cansei de Ser Sexy e Bonde do Rolê. Alías, a banda curitibana passa por maus momentos com a saída da vocalista Marina Vello. A deserção veio acompanhada de algumas declarações interessantes. Em entrevista recente, Marina admitiu ser "uma menina retardada que grita no palco" e que o trio era uma "piada" que havia perdido a graça.

Marina Vello e os rapazes do Bonde do Rolê: piada new rave nunca teve graça


Eu tenho uma modesta sugestão para o futuro do Bonde do Rolê: um troca-troca, no bom sentido, claro, com o Babado Novo, que também acabou de perder a vocalista. Imaginem que bacana Cláudia Leitte assumindo o microfone do Bonde do Rolê enquanto Marina Vello anima uma micareta em Salvador! Uma solução esperta, já que ambos os grupos precisam de alguém que grite no palco.

Enfim, o rock não demanda um sujeito com banquinho e violão, versando metafisicamente sobre os dramas do homem moderno, não carece daquele ar pseudo-intelectual metido a besta que costuma corroer o filão alternativo de pé quebrado, muito menos aquele engajamento tolo que pretende inverter a lógica secular e trazer a periferia para o centro ou coisa parecida. Mas que um pouco de honestidade e irreverência - aí vale uma menção ao clássico Inútil, do Ultraje A Rigor - não cairia mal ao rock tupiniquim, ninguém pode negar.


Quem é o colunista: Bruno Lofreta
O que faz: jornalista
Pecado gastronômico: comida mexicana e cerveja irlandesa
Melhor lugar do Brasil: Aeroporto Internacional de Guarulhos (Cumbica)
Fale com ele: [email protected]



Atualizado em 6 Set 2011.