
O dia amanheceu frio. Não agüento mais essa variação de temperatura, nessas horas eu lembro do efeito estufa, dos congressos sobre aquecimento global, do Al Gore. Domingo, no verão e 17 graus lá fora. O que um paulistano faz em um dia assim? Talvez pelas últimas conversas com amigos e por acontecimentos recentes tenho sentido mais vontade de fugir do óbvio ou de optar por programas diferentes, mesmo que sejam simples.
Confesso que uma ligação e uma frase solta de uma amiga nesse dia me fez pensar assim:
- Sai assim mesmo! Mesmo sozinho olha ao redor e veja poesia, na chuva, no frio...
A frase é bem "bicho-grilo". Como sou ator e estou acostumado a ouvir frases assim... Enfim, dizem que o artista tem a alma mais sensível, tem um olhar mais apurado sobre a vida. Resolvi testar isso em mim. Ultimamente ando meio descontente, sei lá se é por conta da loucura da Paulicéia Desvairada, dos noticiários sangrentos ou da minha última desilusão amorosa, o fato é que eu estava ficando frio pra certas coisas. E procurar encontrar poesia na minha vida, no meu cotidiano, me fez lembrar de tempos remotos em que parecia que essa procura era mais fácil.
Coloquei uma roupa confortável e fiquei na varanda ensaiando sair ou tomando coragem pra enfrentar a chuva. Fiquei olhando pela janela e vi um grupo de crianças tomando banho de chuva, jogando bola, fiquei pensando quanto tempo não fazia isso. A infância é um período lindo da vida que serve bem como referência nessa procura. Claro que vendo hoje, adulto cheio de preocupações, quando era criança achava toda aquela liberdade, aqueles brinquedos e brincadeiras um saco, queria era ser adulto, alto. Ter um irmão mais velho ajudava um pouco, afinal achava a vida dele bem mais interessante que a minha. Hoje não tem como olhar uma criança e não ver essa poesia naquele andar em que a cabeça pesa e chega na frente antes do corpo, naquela risada gostosa ou naquelas frases absurdas em que você sempre solta uma: nossa como ela é inteligente!

Quando era criança, era aficionado por novelas, achava o máximo um personagem ter uma trilha sonora, fechava a porta de casa e já tocava a música, acabava um namoro e ia para praia olhar o mar, com a música ao fundo, e todos os telespectadores iam para as lojas comprar o LP, os Internacionais eram os meus preferidos. Se era pra lembrar de uma música que fosse "Sampa", principalmente o trecho: Da dura poesia concreta de tuas esquinas. Num impulso desci e me achei o galãzinho da novela das sete, (sete, oito não!) na Paulista andando na chuva, deixei meu guarda-chuva enrolado, dentro da sacola com o livro que não sei por que levei, lembrei das crianças, da música do Caetano, da frase da minha amiga e fui andando, na falta de uma praia pra olhar o mar revolto, a Paulista servia, com as cores do guarda-chuvas preenchendo aquele cenário escuro, prosa ou poesia voltei pra casa, encharcado, mas com a sensação de que tinha cumprido minha busca. Ainda que não pare de tossir e de assoar meu nariz de 15 em 15 minutos, foi um domingo poético.

O que faz: Um apaixonado pela artes que largou a vida da administração para viver do teatro
Pecado gastronômico: massa, muita massa!
Melhor lugar do Brasil: Bem acompanhado, até no deserto do Saara!
Fale com ele: [email protected]
Atualizado em 6 Set 2011.