Guia da Semana



A relação tempestiva entre imprensa e celebridade não é nenhuma novidade há décadas, mas, em momentos de tamanha exacerbação em torno de estrelas da música pop, vale a pena arriscar um questionamento simples: o que tais artistas têm proporcionado de interessante a seus fãs? A resposta, dependendo do caso, beira a insignificância, quando não a indecência.

Britney Spears devora um sanduíche, uma paparazzo clica, perde a guarda dos filhos, logo está na primeira capa dos tablóides, toma um porre, em poucas horas tem sua foto estampada em algum site de celebridades. Diariamente, a imprensa dos quatro cantos do planeta bombardeia o público com as mais irrelevantes notícias - se é que se pode chamar tais trivialidades de notícias - sobre a maior megalômana dos últimos tempos.

Obviamente o mundo pop já viveu dias melhores, épocas em que Michael Jackson, escorado pelo produtor Quincy Jones, arrebatava platéias exigentes com uma fusão inebriante de entretenimento e música de qualidade. Se o astro enveredou por caminhos obscuros, lançando sua imagem em ininterruptos escândalos, ao menos deixou um legado consistente, que não se sustenta apenas em vendagens expressivas, mas em trabalhos de qualidade indiscutível.

Britney: imagem saturada
Ainda que não seja um contraponto exato à figura patética de Britney, Lily Allen responde por uma das novidades mais interessantes da música pop. Não se levando muito a sério, quase despojada, a inglesa tempera suas canções agridoces com ironias e melodias pegajosas, sem se tornar irritante ou pretensiosa. Quem também tem chamado a atenção da crítica pela leveza e simplicidade de seu trabalho é a canadense Feist, que chegou ao estrelato com a balada Mushaboom, trilha-sonora de uma famosa propaganda de perfume. Opções para os deserdados do pop não faltam, talvez seja questão de não se pautar tanto pelo noticiário e descolar a etiqueta de celebridade do músico em si.

Rebelde sem causa

Quando surgiu na mídia, na esteira do sucesso retumbante dos Strokes, Peter Doherty não se diferenciava em nada de outros bibelôs do mundo indie: usava a mesma calça jeans justa e surrada, talvez roubada de uma irmã mais nova ou de uma prima, cabelos despenteados, jaqueta de couro e um infalível ar blasé. A música de seu grupo, o The Libertines, era uma obviedade só, muito aquém de outros nomes que bebiam das mesmas influências, como o Franz Ferdinand e o Black Rebel Motorcycle Club. Ainda assim, incensada pela crítica inglesa bocó, alcançou certa repercussão temporária.

Se ainda restavam dúvidas quanto às limitações do Libertines, a apresentação da banda no TIM Festival 2004, em São Paulo, deixou claro que a armação estava com os dias contados. Sem Doherty no comando, os britânicos foram soterrados pela performance arrebatadora do The Mars Volta, grupo que fechou a noite deixando claro a diferença entre uma verdadeira banda de rock e um embuste moderninho.

Expulso do Libertines, Peter Doherty promete dueto ao lado de Amy Winehouse


Envolvendo-se em sucessivos escândalos ao lado de sua ex-namorada, a modelo e arroz-de-festa Kate Moss, Doherty foi aos poucos migrando das páginas de entretenimento para os cadernos policiais, que não cansam de repercutir suas prisões por porte de drogas. Após ser expulso do Libertines, que também já pendurou as chuteiras, Doherty ciscou para todos os cantos até formar o Babyshambles, mais uma fraude sem sentido, que abrigava em sua formação um time de músicos pouco confiáveis, incluindo até um ex-companheiro de cela do vocalista.

Música em xeque

A biografia de grandes nomes da música tem se misturado com toda a sorte de contravenções em inúmeras oportunidades. Inúmeros músicos de calibre, como Charlie Parker, Billie Holliday e Syd Barret, tiveram seus vícios esmiuçados pela imprensa, mas eram capazes de produzir trabalhos de qualidade ímpar, o que, de certa maneira, justificava a atenção que a crítica direcionava aos problemas extra-palcos.

Winehouse: talento encoberto
Com dois álbuns elogiados na bagagem, Amy Winehouse trouxe os holofotes da mídia de volta ao soul e ao r&b, arrancando suspiros de muitos medalhões do mainstream. Não tardou, entretanto, para a inglesa se tornar célebre, também, pelo consumo exagerado de drogas e álcool. Foi a deixa para a imprensa mergulhar de cabeça na conturbada vida da inglesa. Ao lado de Doherty e de Britney, Winehouse bate ponto dia sim dia em tablóides e grandes portais. Os assuntos quase nunca dizem respeito a seus projetos, mas remontam aos seus abusos e prisões.

Não é difícil concluir que a demanda por futilidade mantém personagens esquálidos na mídia por mais tempo do que o necessário. Para os fãs, pode ser duro digerir a decadência de seus ídolos, expostos ao ridículo diariamente, mas para quem reza pela cartilha do bom senso é fácil distinguir quem se aproveita da devasidão para estar em evidência de quem deixa o talelento falar mais alto, naturalmente.

Atualizado em 6 Set 2011.