Guia da Semana

Foto: theclash.com

No começo da década de 80, a maior banda punk de todos os tempos (na opinião deste colunista, a maior banda de rock de todos os tempos), The Clash, vivia um momento crucial na sua carreira. Em 1982, seu maior sucesso comercial até então, o álbum Combat Rock - que trouxe Should I Stay or Shoul I Go e Rock The Casbah, por exemplo - havia acabado de ser lançado e o grupo estava prestes a explodir mundialmente. No entanto, problemas internos (eles, sempre eles) carregaram o destino pra outro lado.

Pouco depois de gravar o disco, o baterista Topper Headon foi afastado do grupo, devido ao seu vício pesado em heroína. Terry Chimes, membro da formação original da banda, voltou a assumir as baquetas. O grupo continuou a excursionar, mas a tensão entre seus dois principais integrantes, Joe Strummer e Mick Jones (ambos guitarristas, vocalistas e a maior dupla de compositores desde aqueles dois lá de Liverpool), só fez aumentar. O início de 1983 viu a debandada de Chimes e, poucos meses depois, em setembro, Jones foi defenestrado do Clash por Strummer. Implosão ao invés de explosão.

No meio desse "Apocalypse Now", a banda fez dois shows em Nova Iorque, no Shea Stadium, abrindo para o The Who. As apresentações aconteceram em 12 e 13 de outubro de 1982 e, se havia gente em número suficiente interessada em ver e ouvir o Clash, a banda foi, em ambas as noites, constantemente hostilizada pela maioria dos incautos fãs do Who. Com todo esse clima de tensão, o que tinha para ser um desastre acabou se tornando um dos mais importantes registros ao vivo da história do rock.

Registro que, até 2008, não tinha sido lançado oficialmente em nenhum formato, apenas em edições piratas. Pois é este The Clash Live At Shea Stadiumacaba, por milagre, de sair em CD no Brasil - lá fora, ele chegou às lojas no começo do ano. Gravado no concerto do dia 13, ele é a única gravação integral de um show do Clash disponível em disco, capturando a banda no auge do vigor, técnica e rebeldia.

O set list é impiedoso. A apresentação já começa com a fenomenal London Calling, considerada pela revista Rolling Stone gringa a 15ª "maior canção de todos os tempos". O que se segue é uma resposta devastadora às vaias da platéia. O Clash passeia pelo punk rock tradicional ( Tommy Gun, Career Opportunities); pelo funk-punk de The Magnificent Seven, "recheada" com a versão de Armagideon Time, do mestre dubista jamaicano Willie Williams; ensaia um pop-disco em Train In Vain; vai ao reggae ( Guns Of Brixton, composição do baixista Paul Simonon); e joga pra galera com Rock The Casbah (mais crua que em estúdio) e Should I Stay or Should I Go. De arrepiar.

Óbvio que a resposta às vaias não ficou só no terreno musical. Strummer, que nunca foi de levar desaforo pra casa, passa boa parte do show tirando uma do público. No meio de Police On My Back, manda a platéia "parar de tagarelar". Em Clampdown, ele diz delicadezas como "querer praticar química com as 70 mil cobaias do Shea Stadium". Não contente, ao final do show solta um "muchas gracias, adiós, adiós", como que ironizando a prepotência estadunidense. Tenso, histórico, visceral. Por tudo isso, The Clash Live At Shea Stadium é um discaço ao vivo. Já que com a morte de Strummer em 2002, meu sonho de assistir ao Clash em cima do palco foi por água abaixo, resta o prazer de ouvir o CD em casa, bem alto.

Leia colunas anteriores de Alex Menotti:

? É brasileiro? Não gosto...


? Em busca da empolgação perdida


Quem é o colunista: Alex Menotti

O que faz: Jornalista.

Pecado gastronômico: Carne de porco, esse animalzinho mágico

Melhor lugar do Brasil: São Paulo

O que ele ouve no carro, em casa e no iPod: Bandas de garagem dos anos 60, jazz, punk rock nova-iorquino dos anos 70, Spiritualized, Flaming Lips, Cartola e os sambistas da velha, Toquinho & Vinicius, James Brown, Dylan e por aí vai...

Fale com ele: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.