Guia da Semana

Foto: Rodrigo Castro

Fabiana Karla vive a protagonista Helena no espetáculo Gorda

Nos bastidores, entre o figurino do espetáculo, há algumas roupas um tanto quanto maiores que as habituais. Logo, elas recebem destaque, afinal uma lingerie erótica e um maiô GG não são comuns nos palcos. Mas essa realidade é completamente o oposto quando o assunto é a peça Gorda. Depois de uma temporada de sucesso no Rio de Janeiro e a soma de mais de 25 mil espectadores, é a vez do Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo, receber o espetáculo escrito pelo norte americano Neil Labute e com direção do argentino Daniel Varonese.

Desta vez quem brilha no tablado é Helena, vivida por Fabiana Karla. Mesclando o sucesso de suas personagens no humorístico Zorra Total, da TV Globo, como a Dra. Lorca, a atriz deixa de lado o humor escrachado para dar vez a uma personalidade da vida real, que ao contrário de muitas mulheres, não tem preocupação obsessiva com curvas perfeitas e seus quilos a mais. Enquanto o namorado Tony (Michel Bercovitch) defende seu relacionamento com ela, precisa vencer preconceitos externos e suportar as piadas dos amigos de escritório Caco (Mouhamed Harfouch) e Joana (Flávia Rubim). Nesse enredo surge a dúvida: Quanto pesa o amor nos dias de hoje?

É a própria Fabiana Karla que nos responde a respeito. A atriz fala sobre o desafio de usar roupas íntimas no palco, tabus com relação ao peso, carreira e influências. Confira!

Guia da Semana: Quais suas expectativas para a estreia em São Paulo?
Fabiana Karla: Já havia visto como se comporta o público carioca e com a pouca experiência que tenho com o público paulista, arrisquei e vi que o carinho e a receptividade foram enormes. Fico confortável, pois sei que temos um produto de qualidade na mão. Sei também que o público não vem assistir a Fabiana Karla do Zorra, mas sim, ver um bom trabalho, o texto, os atores e autores. Fiquei lisonjeada quando a peça veio para São Paulo porque é um selo de qualidade. O povo paulista sabe reconhecer quando a peça é boa.

Guia da Semana: A peça fala de uma mulher que enfrenta um dilema em relação ao peso. Acha que de certa forma é uma crítica à ditadura da beleza?
Fabiana: Falamos de preconceito em um geral. Ela foi escrita em uma fase que o Labute estava de regime e entrou para esse mundo. Mas na peça levantamos outros vários preconceitos. É uma comédia elegante, transformadora. A intenção é fazer com que os espectadores saiam transformados. Quando se trata de preconceito, a comédia e o drama andam de mãos dadas. Quem está oprimindo acha graça da pilha que está colocando e o oprimido fica em uma situação desfavorável. Há uma linha muito tênue entre os dois.

Guia da Semana: Ao mesmo tempo que aborda a questão do peso, o espetáculo fala sobre relacionamento. Acha que a aparência influencia em uma relação?
Fabiana: O empecilho na relação dos dois é o preconceito que as pessoas depositam nele. Às vezes é difícil ser herói das causas que acreditamos. Tem gente que não segura à onda. Quando a peça termina muitas pessoas me procuram para dar depoimentos de preconceito, é bem legal. Fico feliz em fazer um trabalho com uma missão, ajudar pessoas vítimas de algum tipo de preconceito. Acho que para estética influenciar depende dos valores de casa um. É a velha questão: 'para você, quanto pesa o amor?'. Não o peso físico, mas sim o de verdade, segurar por uma causa que você acredita. Existem outros atributos em uma relação e vai da fraqueza e limite de cada um lidar com isso.

Foto: Rodrigo Castro

Em cena durante o espetáculo Gorda, ao lado de Michel Bercovitch

Guia da Semana: Já viu acontecer uma situação semelhante a peça com alguma amiga ou já passou por isso?
Fabiana: Não. Quando comecei a dar entrevistas sobre a peça, percebi que eu nunca havia sido ultrajada por ser gorda. Fui criada com uma autoestima muito bem trabalhada. Tive a oportunidade de ser magra na adolescência, quando fiz uma dieta pesada e perdi peso. Mas depois eu descansei, fiquei tranquila, fui mãe. Hoje em dia existem tanto mecanismos para ajudar a ficar magra. Se eu quisesse eu teria ido atrás.

Guia da Semana: Já pensou em fazer alguma cirurgia para eliminar peso?
Fabiana: Já passou muitas vezes pela minha cabeça. Eu me sinto bem do jeito que eu estou. O difícil é fazer com que as pessoas entendam isso. (risos)

Guia da Semana: Como foi a preparação para viver a personagem Helena?
Fabiana: Foi bem difícil. Como a peça é uma co-produção argentina, contamos com os diretores e eles nos ajudaram muito, inclusive o Daniel Veronese. Eu e Michel bebemos da mesma fonte. Foi a primeira fez que fiz um par romântico e lidar com isso foi complicado. Eu sempre fui bem resolvida com meu peso e chegar ao ensaio e de repente ouvir: "Ela é uma porca gorda", não é uma coisa nada fácil. Ninguém nunca me colocou assim, eu sou muito vaidosa. E não é a questão da aceitação, mas sim da vaidade. A pessoa pode ser gordinha, mas precisa ser elegante, tanto que quando a galera foi escolher o figurino eu fiz questão de participar.

Guia da Semana: Nessa questão de figurino, há algum tipo de receio em ficar de lingerie e maiô no palco?
Fabiana: Eu fiquei muito preocupada. Não pelo maiô em si, afinal eu vou à praia, sou tranquila com isso. Eu estou representando uma classe e queria fazer isso bem. Queria que a gordinha que fosse assitir me visse lá e se sentisse bem. O palco me protege muito, escolhi um figurino legal e pensei: "Não posso tratar de preconceito se não estiver bem resolvida e segura do corpo". Isso não faz minha personalidade. Se eu me propuser a fazer eu faço, não queria que nada me deixasse restrita.

Guia da Semana: Quando decidiu seguir a carreira de atriz?
Fabiana: Por ser nordestina, já tinha um humor natural. Sempre gostei muito da Dercy Gonçalves e eu queria para mim aquilo que ela fazia, gostava de fazer as pessoas rirem. É muito bom porque eu tenho a oportunidade de ser tudo em uma só. Uma coisa meio camaleoa. Quis ser advogada e vendo bem existe uma coisa de teatro por trás de tudo também, mas desisti (risos). Eu gosto de contar histórias.

Foto: Rodrigo Castro

No elenco Flávia Rubim, Michel Bercovitch, Fabiana Karla e Mouhamed Harfouch

Guia da Semana: Você é conhecida por seu uma atriz de comédia. Tem receio de ficar rotulada a fazer apenas papéis cômicos?
Fabiana: Não e por isso eu topei fazer Gorda. O papel da Helena me dá a oportunidade de mostrar uma outra vertente minha que envolve mais sentimentos, realidade. A produção da peça me percebeu e isso foi muito interessante. Na minha personagem do Zorra eu faço uma coisa muito diferente, caricata. E foi difícil guardar o jeito, a peruca, a caricatura, a interpretação e amarrar os braços e pernas para fazer uma pessoa que eu olharia no palco e pensaria: Eu conheço alguém assim. Aprendi muito com esse papel.

Guia da Semana: Você tem uma rotina agitada de gravações e apresentações. Faz algum tipo de dieta e atividade física para ajudar a manter o pique?
Fabiana: Eu estou correndo muito ultimamente. Agora, pasme e ria: toda a disciplina que eu tenho hoje na minha vida profissional devo ao esporte. Sempre joguei vôlei, basquete, handebol. Fiz natação também, mas eu passava mal. Sou uma pessoa que pensa muito e ficar ali na água sozinha, nadando, me deixava nervosa. Não gosto de malhar, preciso me entreter para fazer exercício. Então faço esporte, dou uma caminhada na praia. Não faço dieta, mas não fico parada. Sou muito vaidosa, cuido muito da pele, vou sempre ao dentista, cuido do cabelo, etc. E para me manter bem esteticamente cuido da alimentação e não como fritura, por exemplo. Pensam que eu como tudo o dia todo, mas não sou assim não.

Guia da Semana: E a ideia do papel da Dra. Lorca, como surgiu?
Fabiana: Comecei com a Lucicreide, depois veio a Gislaine. Eles me passaram o roteiro e eu temperei o que eles me deram. Preciso sempre colocar minha cara, porque a minha matéria prima é o povo e eu preciso ficar próximo dele. Tento aproximar meu personagem das pessoas e vem dando certo. E com a Lorca foi o mesmo. Coloquei muitas coisas nela, fora os improvisos que rolam nas gravações.

Foto: TV Globo/ Georgeana Godinho

Na pele da Dra. Lorca no programa Zorra Total

Guia da Semana: Em alguma fase da carreira ser gordinha te prejudicou?
Fabiana: Nunca. Pelo contrário. Fico até com medo que as pessoas pensem que eu faço disso um negócio. Abri uma grife de lingerie e roupas para gordinhas. Tudo bem, agora estou unindo o útil ao agradável, mas não deixa de ser também um serviço prestado. Tenho medo que pensem que estou fazendo apologia à gordura e não é. Sempre fiz isso, mas para o bem estar. Como alguém pode começar uma nova etapa da vida se sentindo mal? Não dá. As pessoas precisam aprender a se aceitar. Por estarem gordas, por exemplo, começam a se sabotar pensando que vai dar certo começar um regime e não vai.

Guia da Semana: Acha legal o humor stand-up?
Fabiana: Nunca me aventurei por ele, mas acho interessante. Alguém tem que fazer o que eu não faço, né? (risos). Só não gosto do humor que ultraja, que ri do banguelo, de quem caiu, não acho legal porque é muito óbvio. Algumas pessoas têm apelado um pouco e não é que eu queira fazer a linha do politicamente correto. Às vezes você perde o amigo, mas não perde a piada. Mas é preciso cuidado, porque falamos de vidas, pregamos o não bullying e praticamos? É errado.

Guia da Semana: Qual sua dica para as pessoas que se acham limitadas por estarem acima do peso?
Fabiana: Elas devem procurar mecanismos para serem felizes e não ficarem griladas com isso. Se observarem e se amarem mais. Porque assim o resto flui. É uma questão de aceitação e olhar para si e enxergar o que tem de melhor. Se nós cuidamos de dentro, reflete no rosto e uma alma feliz ilumina a face.

Serviço:
Local: Teatro Procópio Ferreira
Preço: R$ 60,00 (sexta e domingo) e R$ 70,00 (sábado).
Data: 12 de março a 02 de maio de 2010.
Horário: Sexta e sábado, 21h30; domingo, 19h.

Atualizado em 1 Dez 2011.