Guia da Semana

Foto: Digvulgação

Interpretando o juiz na peça Hamelin do premiado autor Juan Mayorga

Um tema forte e um propósito simples: saber quem é o autor de uma acusação de pedofilia. Assim é o enredo de Hamelin, que chega a São Paulo em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil. Escrita pelo espanhol Juan Mayorga e dirigido por André Paes Leme, a peça coloca em xeque, através de uma dramaturgia não convencional, a impotência da sociedade em proteger as crianças e a dificuldade de se chegar a uma conclusão quando as palavras são tudo o que se tem para apurar a verdade. Não é a toa que mereceu o prêmio Max de Melhor Autor Teatral.

Para encarar o desafio dramático, o protagonista ficou a cargo do baiano Vladimir Brichta, revelado em um grupo de teatro de Salvador ao lado de Wagner Moura e Lázaro Ramos. O ator já trabalhou em 22 espetáculos, tendo alcançado enorme destaque na peça A Máquina, de Adriana Falcão, dirigida por João Falcão. Afastado dos palcos há um ano, resolveu dedicar 2009 ao cenário teatral depois de dar vida a personagens cômicos no cinema, como em Mulher Invisível, e na TV, na série Faça sua História. No intervalo dos últimos ensaios, batemos um papo com o artista sobre as expectativas com a estreia, a preparação do personagem e sua carreira.

Guia da Semana: Quais os preparativos para a estreia da peça em São Paulo?
Vladimir Brichta: Eu acredito piamente que temos um grande texto nas mãos. Para mim é um acerto enorme, desde a forma com que abordamos os temas até como montamos as cenas. Eu estou completamente envolvido e muito esperançoso em relação à receptividade do público, pois para ele ela significa muito. Acho de uma relevância gigante e isso me motivou muito a fazer a peça.

Guia da Semana: Como surgiu o convite de participar do espetáculo?
Vladimir Brichta: Estou a um ano afastado, desde Os Produtores. Eu queria voltar ao teatro em 2009 de qualquer forma e estava procurando um bom texto. Tive essa lacuna entre 2003 e 2006 sem teatro e isso me deixou enlouquecido. Sinto muita falta quando fico longe dos palcos. Eu queria uma coisa mais específica. Já havia feito musical, mas eu buscava uma outra linguagem e um texto com uma relevância maior para mim. Nesse meio tempo, comecei a ler muitos textos e o André Paes Leme me mandou um e pediu minha opinião. Ele foi muito bacana e disse que, caso eu não gostasse, que indicasse alguém para fazer. Eu li o texto e fiquei encantado, quis fazer imediatamente porque era exatamente o que eu procurava como ator. Experimentar coisas novas e sensações diferentes na minha carreira.

Guia da Semana: Como abordar de forma tranquila um tema tão pesado como a pedofilia?
Vladimir Brichta: O personagem se refere a uma rede de pedofilia, mas o autor Juan Mayorga aborda toda uma questão, não somente um fato. Ele leva até o público um assunto e discute isso, deixando com que ele tome suas próprias conclusões. Eu faço um juiz que é muito duro. Incapaz de conversar em casa com a esposa e o filho, é um homem muito fechado. O espetáculo mostra que além de julgar o culpado, devemos ter um olhar maior sobre a vitima de pedofilia, que afinal é uma criança e pode ter sequelas para uma vida inteira.

Foto: Digvulgação

Ao lado do elenco, Vladimir interage com a plateia durante a peça

Guia da Semana: Como foi a preparação para o personagem?
Vladimir Brichta: Eu tive um convívio com o meio jurídico. Mas a ideia não é passar um juiz em si, mas sim uma pessoa que inspire o poder e que quer fazer valer a justiça. Em termos de preparação, foram dois meses de ensaio. No primeiro ficamos sentados, lendo muito o texto e discutindo cada detalhe, movimento. Cada um trazia uma informação, debates e notícias. Além disso, ficamos muito ligados em casos de relações deterioradas entre pais e filhos, discussões em família. Não tivemos urgência e buscamos o máximo de compreensão e colocar o que cabia de emoção nas cenas.

Guia da Semana: Outro tema abordado é a família carente no Brasil. Acha que o teatro feito hoje no país tem condições de ser popular?
Vladimir Brichta: O texto é de um espanhol, mas lendo ele parece muito com o público brasileiro. Para um espetáculo ser popular não bastar ter um valor acessível. Claro, isso facilita muito, mas o teatro é pouco difundido na cultura do povo. Eu acredito verdadeiramente nessa arte como uma forma de transformação. Além de entreter, levar diversão às pessoas, eu gosto de levantar essa bandeira da conscientização. Se todos tivessem acesso ao teatro em suas comunidades, fossem voltadas para a arte, se as escolas públicas incluíssem o teatro entre as disciplinas, seria ótimo. Isso ajuda na capacidade de socialização, desenvolvimento educacional, além disso faz com que a linguagem teatral seja mais próxima da população.

Guia da Semana: Mesmo tendo grande espaço na TV, acha que no teatro um ator consegue expor mais de si?
Vladimir Brichta: Eventualmente existe a possibilidade de mostrar o talento na TV, cinema. Mas no teatro isso costuma ser diferente. No palco, independente do personagem, os atores têm muito mais tempo para ensaiar, entrar no espírito do papel, pensar no que pretende mostrar e também a possibilidade de dar uma abordagem mais complexa ao trabalho. É possível transformar os personagens ao longo do tempo. Na TV e cinema é tudo muito rápido.

Guia da Semana: Você viveu alguns galãs na TV. Tem medo de ficar taxado como tal para o público?
Vladimir Brichta: Eu não tenho porque o tempo é impiedoso. Todo mundo em um momento da vida foi jovem e teve esse espírito cheio de vontade. Em um dado momento isso pode abrir portas, mas eu tive oportunidade de viver bom papeis que não me rotularam como galã. Hoje me sinto confortável para fazer aqueles que me chamam atenção.

Guia da Semana: Você veio de uma grande escola que revelou também Wagner Moura, Lázaro Ramos. Já que o eixo de atores é tão focado no Rio e SP, a que você credita o sucesso de vocês?
Vladimir Brichta: Eu acho que foram muitas coisas envolvidas. Foi totalmente sequencial, o momento permitia que os talentos fossem revelados. Fora isso, foram oportunidades que surgiram e nós abraçamos. Aconteceu em um momento onde o teatro e a TV estavam com os olhos voltados para a região. Ajudou muito também o fato de estarmos com o espetáculo A Máquina, uma peça muito forte na época, que fez com que os talentos individuais fossem conhecidos. Esse ano, precisamente em outubro, faz dez anos que encenamos juntos esse espetáculo.

Foto: Digvulgação

O ator deixou estava há um ano longe dos palcos desde o musical Os Produtores

Guia da Semana: Tem projeto de voltar com o a peça ou trabalhar com eles novamente?
Vladimir Brichta: Talvez algum dia o João queira fazer novamente. Eu, Wagner e Lázaro chegamos a conversar sobre isso há uns três anos, mas ficou só na conversa mesmo. Quando fizemos, a época era outra. Éramos jovens atores com vontade de mostrar serviço, fazer parte da classe artística e vir para São Paulo, Rio, afinal sabíamos que é onde as coisas acontecem. Soma-se a isso, que o espetáculo era muito bom. Mas infelizmente voltar com ele é bem difícil.

Guia da Semana: Como você vê o cinema nacional nessa nova fase? Tem projeto de participar em algum filme?
Vladimir Brichta: Eu vejo como uma época incomparável. Antigamente eu via meio que por uma obrigação de ter que saber o que está acontecendo. Hoje em dia vou como espectador mesmo. Gosto de acompanhar e tenho um prazer muito maior. O momento é bem valioso para o cinema nacional. Ainda existem temas que são recorrentes, mas isso rola em toda parte do mundo, inclusive em Hollywood. Mas a diversidade de temas tem me agradado. Eu fiz um filme no início de 2009 chamado Quincas Berro D'Agua, baseado no romance de Jorge Amado e está quase pronto. Provavelmente saia no começo do ano que vem. Abri mão de dois filmes esse ano para me envolver mesmo com o Hamelin.

Guia da Semana: Com quem gostaria de ter a oportunidade de contracenar?
Vladimir Brichta: Muita gente boa. Adoraria trabalhar novamente com minha esposa Adriane Esteves. Acho ela brilhante. Recentemente ela está muito envolvida com uma minissérie que está sendo gravada sobre a Dalva de Oliveira. Trabalhei também com o Luís Miranda e tenho uma vontade enorme de fazer algo com ele de novo.

Guia da Semana: Ser ator virou hoje sinônimo de fama e dinheiro. Acha que de certa forma isso banaliza a profissão?
Vladimir Brichta: Não acho. O ator sem dúvida faz parte de uma indústria. Nesse sentido de fama e dinheiro, o tempo é muito valioso. Ele se encarrega de colocar as pessoas nos devidos lugares. Com certeza quem tem talento, fica. Basta ver pelos atores mais antigos. Afinal, Fernanda Montenegro está aí provando que a profissão, um dia vinculada à prostituição, hoje ganhou outra forma.


Atualizado em 6 Set 2011.