Guia da Semana

Foto:Getty Imagens


Meu ciclo de amizade está envolto por muitas pessoas que mantém uma relação direta ou indireta com a arte. Embora, claro, tenho amigos que trabalham em outras áreas, pessoas que involuntariamente ainda tem um conceito glamourizado da nossa profissão. De forma alguma eu os culpo, pelo contrário, entendo perfeitamente esse preconceito. Não sou jornalista e nem tenho a intenção de dar esse caráter ao texto. Não farei uma pesquisa aprofundada no porquê desse conceito, mas quero discutir um pouco a minha opinião a respeito.

Já mencionei certa vez que essa coluna é absolutamente terapêutica e C-L-A-R-O que não ia perder a oportunidade de usar esse espaço e, esse tema, pra extravasar esse enchimento de saco que é pra mim e, acredito, pra outros colegas essa cobrança em cima do que é SER artista no nosso país.

Semanas atrás tive a grata surpresa de ver a consagração internacional de uma atriz que está longe de sair em revistas, com a boca repuxada e o cabelo com aplique, parecendo uma boneca velha abrindo as portas da sua casa de praia. Consagrar a atriz Sandra Coverloni num festival como o de Cannes, é premiar uma artista que nunca atraiu mídia por escândalos com marido ou por ser protagonista de novela das oito. Grandes artistas não se fazem por esse meio, pelo menos eu acredito. Algumas juntam as duas coisas, mas quase sempre ouvimos aquela frase: "Que pena tão talentosa e se acaba em drogas, rouba lingerie, briga com o diretor"
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Nunca esqueci de uma entrevista da Fernanda Montenegro, em que ela, perguntada qual o conselho pra quem estava começando disse: "Desista". Eu, em começo de carreira, fiquei muito mal com aquilo, cheguei até a ficar com raiva dela. Olha que bobagem! Acreditava que alguém de tamanha representatividade e destaque, tinha por obrigação incentivar de outra forma quem estava começando. Mal sabia o que me aguardava.

Revistas que vendem imagens de uma parcela mínima da classe, que vive nesse universo cheio de glamour, novelas recheadas de histórias que hipnotizam donas de casa cansadas da sua vida repetitiva. Diversos outros fatores contribuem pra criar essa fantasia em que resolve se aventurar nessa profissão. O dia-a-dia é bem diferente. Quando você se vê diante de um batalhão de pessoas disputando um papel no comercial de loja popular, com uma plaquinha constrangedora com seu nome, idade e altura (ai) depois de puxar muito o saco da moça da agência pra te chamar e de ficar horas esperando pra agüentar um diretor mal educado, um maquiador estressado e uma produtorazinha (isso mesmo, bem no diminutivo) você vê a relação cruel que um ator pode ter como um produto. No entanto, precisamos pagar contas.

Os programas dominicais são deprimentes, mas tenho que confessar que até gosto do quadro Arquivo Confidencial do Faustão. Quem nunca se imaginou revendo sua carreira no lugar daquelas pessoas? Inclusive essa é uma frase clássica desses amigos que citei no começo da coluna: "Um dia vou falar de você no Faustão".

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Já entoei mantra em um idioma que não existe, me vesti de palhaço com uma roupa que certamente me deixou estéril. Já fui o praga da Xuxa (eu vou me arrepender disso), marido traído em comercial de cerveja e gerente de banco vendendo seguro fiança. Isso pra não falar de outras coisas. Mas não quero tornar isso depressivo. Calma, só coloquei o lado ruim.

E antes que me acusem de frustrado, digo que a pressão da família, das pessoas que me esperam ver na novela das oito não é suficiente pra estragar o que a arte significa pra mim, despertar a fantasia de uma criança, transformar a vida de alguém que se dispôs a sair de casa e embarcar na minha viagem, nem que seja por algumas horas, ter o privilégio de viver nessa vida tantas outras e sobretudo pisar num palco está acima de tudo isso. Definitivamente, não tem preço.

Ver uma atriz como a Sandra ser premiada, é premiar todos esses artistas que batalham pra levar um pouco de arte a todos ou a poucos que conseguimos atingir. E antes que isso vire uma extensão de comercial de cartão de crédito, eu me despeço. E viva a arte. Até a próxima. Quem é o colunista: Guilherme Gonzalez, administrador e ator do Pará para a Terra da Garoa.

O que faz: Um apaixonado pelas artes que largou a vida da administração para viver do teatro

Pecado gastronômico: culinária paraense.

Melhor lugar do Brasil: São Paulo no feriado.

Fale com ele: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.