Guia da Semana

Foto: Sxc.hu

O fim de ano passou e, como quase todos no país, eu também parei por uma semana. Fui para a casa dos meus pais, no interior do estado de São Paulo. A minha cidade tem, mais ou menos, 30 mil habitantes. Como toda cidade pequena, Aguaí tem sua praça central, a Igreja matriz, as sorveterias pequenas e três bares de encontro das pessoas. Enquanto estou descrevendo, pode parecer quase um paraíso, mas não é mesmo! Sem cinema (na verdade tinham dois cinemas, um deles foi demolido e o outro está fechado caindo aos pedaços), sem teatro (nunca foi construído), uma biblioteca às moscas. Sem espaço cultural. Na verdade, existe uma ONG que tenta, sem quase nenhum recurso, proporcionar um pouco de cultura para uma população completamente carente.

A Praça Central é regada à bebida e sons inaudíveis. A única diversão que sobrou aos jovens é turbinar seus carros com sons potentes e beber muito. Afinal de contas, "a gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão e arte", já dizia o poeta. O que toca nos carros basicamente é funk (dos "proibidões" aos pornográficos), entre outras coisas que não dá para ouvir. Eu tentei sair um fim de semana. E na tentativa, frustrante, me sobrou a TV.

Ligar a TV em um sábado à noite, é realmente assustador. Uma emissora possui um programa classificado como humorístico. Mas que raios de humor é aquilo? Foi feito para gente sem a capacidade de entender as piadas? Eu não consegui sorrir um segundo se quer. Assisti aos programas inteiros, até o das altas da madrugada - este um pouco mais inteligente. Sobre o domingo televisivo, nem consigo entender o que aquele apresentador está fazendo lá há tantos anos. Falando em cima dos seus convidados, nada cultural. Aliás, prefiro pular o domingo da nossa televisão. Comecei uma análise do que, na teoria, seria a única maneira de acesso cultural para pequenas populações: a televisão aberta.

Durante os dias comecei a ligar a TV, na esperança tola de absorver um pouco de arte.

Pela manhã: nem tão cedo assim, afinal estava de "férias". Aprendi algumas receitas, assisti ao desenho animado, entrevistas e violência em programas para mulheres.

Logo depois do almoço começa um surto de fofocas e crimes horrorosos. Pastores com seus milagres, novela repetida, um pouco de desenho animado. Ah! Uma coisa: os desenhos que passam, ou são bem antigos ou são os novos orientais terríveis e cheios de violência. Só uma dúvida: por quê nos desenhos orientais as personagens têm olhos enormes?

Entediado, no fim da tarde, fui dar uma volta e tomar um café. Eu juro, havia uma mesa com homens e mulheres discutindo seriamente sobre a novela. Sobre o que uma personagem estava fazendo com a outra.

Me senti na obrigação de assistir a um telejornal. São horas dedicadas para violência, crimes, polícia e políticos corruptos. Um dos apresentadores dá uns berros com as autoridades, como se elas estivessem assistindo ao programa. A sensação que eu tenho é que a minha televisão iria começar a sangrar em poucos minutos. Achei um jornal, da única TV estatal que temos, sem sangue e nem obituários. Logo em seguida (na mesma emissora), um programa que realmente posso dizer que produz arte. Falando de exposições, peças de teatro, música de qualidade, espetáculos de dança, entrevista inteligente e tudo aquilo que realmente me interessava.

A noite cai e minha curiosidade sobre a novela foi aguçada por uma conversa na mesa da cafeteria e pelos capítulos que já havia acompanhado. Vamos lá, começa a novela. Ótima qualidade, trabalho indiscutível dos atores (de maneira geral) e, na minha opinião, um autor que não vive na Terra. A novela na qual me refiro tenta ser realista e se passa no Brasil, em horário nobre. Onde é que nesse país vocês viram um político se entregando e confessando seus crimes para a mídia e, se eu não estou muito louco, ele foi preso? Apresentem-me, pelo amor de Deus, uns políticos do mensalão presos. Na mesma novela, há um ex-gay. Ex-Gay?

Enfim, o comercial: hora de sapear os outros canais. Uma competição absoluta de Igrejas? É uma gincana? Primeiro a TV te dá uma cacetada com os telejornais violentíssimos e depois fala de Deus. Seria uma tática? Na mesma emissora passa o jornal sangrento e depois vem o pastor com a possibilidade da "salvação" para todos que o seguem. É isso?

Ligar a TV na madrugada, no meio da semana é para rezar mesmo. Ou você se deprime ou se converte. Ou compra produtos milagrosos, que quase conversam contigo. Quase comprei um espremedor de frutas, que faz sucos perfeitos. Pelo menos é o que eles dizem. Tive a curiosidade de conhecer a "Sessão do Descarrego", na qual você ganha o sabonete (aqueles de motel, sabe?) para sua casa. Eu vi na TV. Até onde sei, quem faz descarrego é terreiro de macumba.

Desculpem, sei que conhecem a grade toda. Mas não sei até que ponto nós, simples telespectadores, nos movemos - mandando e-mails, fazendo telefonemas etc - para pedir uma mudança às emissoras. Depois de uma semana de televisão no interior, sem acesso ao cinema, teatro... refleti muito.

Quando a televisão surgiu, acabou com a onda das rádios, que tinham um compromisso em apresentar uma grade de programação com qualidade. Produziam humor de fato, lançavam novos talentos, música de excelente conteúdo, com poesia, programas inteligentes e, por fim, levavam ao público uma dose diária de arte. Hoje, me pareceu clara a lavagem cerebral para detonação humana. O IBOPE e nossas emissoras acabaram com a arte, sem percebermos.

A televisão, dois dias antes de voltar para São Paulo, virou apenas um objeto prateado de decoração. Exceto, no horário nobre, para a novela. Não assistia há alguns anos, mas acho que posso até fazer dizer qual é o final. Uma novela nunca surpreende, nem pelo final.

Amanhã, provavelmente, os carniceiros de plantão darão um novo obituário jornalístico e falarão da nossa política corrupta. As igrejas e suas gincanas comprarão cada vez mais horários, distribuindo milagres, angariando fundos para construir seus templos. E até mesmo os programas da manhã para as donas de casa, que antes eram apenas entretenimento, já estarão falando de violência.

No fim das contas a televisão está nos emburrecendo, nos dando receitas de crimes quase perfeitos, o que nos deixa revoltados e cada vez mais trancados em nossas casas. Mostram os criminosos (desde engravatados até os pé-rapados) como fossem os grandes astros nacionais. Eles estão manipulando o tempo de muitos, que deveriam ser ajudados em sua formação.

Nossa televisão deveria ser uma forma de acesso à arte, para aqueles que dela não usufruem. Era para valorizar o humor e os muitos talentos escondidos por este país enorme. Ser no mínimo inteligente. Mas as panelas das emissoras e suas mesas-redondas parecem que não se importam muito com isso, mas sim com o dinheiro que ganham.

E a arte? A arte (com a licença presidencial) "que se fo...".

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Quem é o colunista: Fredericco Baggio.

O que faz: Ator e Produtor

Pecado gastronômico: Tudo que tenha café.

Melhor lugar do Brasil: São Paulo e suas noites sempre perfeitas.

Fale com ele: [email protected]


Atualizado em 6 Set 2011.