Guia da Semana

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Um dia desses, em uma conversa, ouvia uma pessoa falar de um concerto que assistira - e ela não era dada a esse tipo de programação. Longe de se tratar de um relato monótono e desinteressante, havia uma sinceridade cativante na despretensiosa crítica, que terminou na seguinte ressalva: "uma pena não terem tocado nada mais conhecido". Fiquei pensativo - tratava-se de uma boa orquestra e de um repertório cheio de grandes nomes; ainda assim, a falta de familiaridade parece ter tolhido grande parte da experiência musical. Como, então, superar esse estranhamento entre ouvinte e uma música que lhe é nova?

Essa questão não só afasta as pessoas das salas de concerto, mas as impede de tomar conhecimento de grupos com propostas (instrumentais e estéticas) incomuns e, também, de se interessar por músicas de outras culturas. Além de importantes por si só, imagino que as reflexões que possam derivar dessa pergunta nos seriam úteis nos mais variados campos da produção artística e cultural, como artes visuais, dança, teatro, poesia e assim por diante. Mantenhamos em mente essas transposições possíveis, mas falemos de música.

Naquele belo momento anterior à emissão das primeiras notas, que postura devemos adotar em relação ao que iremos ouvir? Se não sabemos o que o momento seguinte nos reserva, como estar preparado para ele? Colocada assim, a pergunta parece ter uma resposta simples: não dá.

Não posso falar por todos, então, digo por mim: sinto que absorvo mais, desfruto mais, quando assumo uma postura menos pretensiosa. Permaneço sem contestar tanto o que ouço, sem esperar que a música tome este ou aquele rumo - vejo o que acontece, vejo como me sinto quando aquilo acontece. Se gosto de melodias, entretanto, e após dez minutos de música ainda não apareceu nada que eu pudesse assobiar, que devo fazer? Lamentar o dinheiro gasto no ingresso ou procurar observar o que está lá, ocupando o lugar das frases melódicas?

A verdade é que todos têm uma expectativa musical e, por inércia, acabamos deixando que ela se imponha em tudo o que ouvimos, com carimbos de bom ou ruim e descartando o que ela não dá conta de acomodar em seu julgamento. Acredito que valha a pena confiar no artista, manter a mente aberta e esperar que ele lhe mostre, como se fosse um segredo sagrado, o porquê daquilo ser maravilhoso, o porquê daquilo ser arte. Eu disse que o momento anterior à música é belo - por quê? Pela expectativa que uma revelação, prestes a ser feita, gera.

Ouvir algo novo, assim, é receber uma resposta nova para uma velha pergunta. É um prazer diferente daquele de ouvir sua música preferida, de revisitar aquelas associações que criamos com o tempo. Ouvir assim é estar vulnerável, ignorante. Sinto que tudo bem - podemos sempre voltar às velhas respostas, elas continuam lá, não desaparecem nunca - não no campo artístico. Quando digo ignorante, não digo para abdicar de seu senso crítico. Use-o depois: o que o artista propôs funcionou? A lógica da composição foi condizente com o que ele diz querer expressar? São perguntas válidas, mas que só podem ser respondidas depois do todo vir ao fim, não durante e, muito menos, antes. A música, essencialmente, fala de si mesma - se explica e, por tudo isso, ela pede muito pouco: a sua atenção.

Leia a coluna anterior de André Mestre:

Arvo Pärt

Quem é o colunista: André Mestre.

O que faz: Música, sou compositor..

Pecado gastronômico: Pizza e... café com sorvete?

Melhor lugar do mundo: Rua Gustavo Teixeira.

O que está ouvindo no carro, iPod, mp3: Uma miscelânea meio esquizofrênica que invariavelmente passa por: Arvo Pärt, Duduk, Pain of Salvation, Pascal Dusapin, Tuwa [www.myspace.com/grupotuwa], Jonathan Harvey, Eva Cassidy e, claro, Mozart.

Para falar com ele: andrermestre@yahoo.com.br ou visite seu site (http://www.wix.com/andrermestre/art).





Atualizado em 6 Set 2011.