Guia da Semana



"No dia em que cresceu o primeiro bigode postiço, o tempo fechou. Trovejou. Choveu Fanta laranja durante quarenta dias e quarenta noites. O mundo era então uma avenida, paulista, onde arranhavam o céu os edifícios, como se riscassem jazz em discos de vinil. No vazio deslizavam os dirigíveis; a vida: um take em câmera lenta. Terminada a tempestade, o mundo estava de cabeça para baixo, de ponta-cabeça, ao contrário, ao avesso, às avessas, invertido, divertido, plantando bananeira, tudo isso ao mesmo tempo. Ouviu-se música ao longe. A moça feia debruçou na janela, pensando que o Bazar Pamplona tocava pra ela".

Eu simplesmente adoooro esse texto. Ele está no ´about´ da banda caipira-paulistana Bazar Pamplona e acho que é a sua melhor definição. Sacou? Pois é... É exatamente esse amontoado de ´absurdos-bonitos´ que me fez prestar atenção nos Pamplonas; os meninos têm um talento singular para juntar frases e palavras desconexas e fazer delas belas canções temperadas com humor. Aliás, muito humor, diga-se de passagem.

A chance fazer rir sobre qualquer assunto já começa quando pergunto ao vocalista e guitarrista Estevão Bertoni sobre como a banda se formou: "Em 2003, montei uma república de estudantes com um amigo, ali na Paulista. Precisávamos de mais quatro pessoas para dividir o apartamento, que era grande e caro. Colocamos um anúncio na faculdade, e o João Victor (guitarrista), que tinha acabado de entrar no curso de Rádio e TV nos ligou e acabou indo morar com a gente. A banda começou aí. Depois conhecemos nosso primeiro baixista, o Batata, por amigos em comum. O Caldas (baterista) nós achamos num anúncio na internet. Depois o Batata se mudou para os Estados Unidos, a trabalho, e o Capanema, que até então nunca tinha tocado baixo na vida, virou nosso baixista oficial. Só aceitamos ele à base de suborno".

Desde então, os Pamplonas gravaram alguns EPs ´não oficiais´, todos disponíveis no site da Trama Virtual (o link está logo abaixo) que juro, vale a pena dar uma olhada. A versão "moda-de-viola-caipira" da música "A mi me gustan las hambuguesas" (que virou "Os Hamburgue"), do graaaande trio ´paulistano/portenho-de-mentira´ Los Pirata, é absolutamente hilária e já vale a visita.

Finalmente, em 2006 veio "Músicas que Caem em Pé e Correm Deitado", o primeiro EP ´de verdade´, trazendo várias ´pérolas Pamplonas´. E a proximidade com vocalista do Los Pirata (Paco Garcia) resultou no primeiro CD da banda, "À Espera das Nuvens Carregadas", lançado esse ano. Paco não só produziu o trabalho, como colocou a banda como aposta do seu recém-criado selo (Monga Records). O cd inclui "três quase-canções" e "quinze bônus deselegantes" (que eu já comento).

E o nome, Estêvão? E a Karen Cunha?

O vocalista Pamplona não perde a chance: "Então, ninguém sabe ao certo de onde vem ´Bazar Pamplona´. Existem várias versões. A que eu sei é que estávamos atrás de um nome, e uma amiga nossa queria de qualquer jeito ser homenageada. Ela sugeriu "A Banda da Paloma". Além de ridículo, achamos que ela não merecia homenagem alguma. Mas aí partimos da sugestão dela e fomos fazendo modificações no nome até chegar em Bazar de Pamplona, que é o oficial da banda hoje. Mas pode mudar a qualquer momento".



Sobre as influências, ele comenta: "Gostamos muito dos Mutantes. Tom Zé também é uma grande influência. E tem a obrigatória de qualquer banda: os Beatles. Mas ouvimos de tudo (e nessa lista estão nomes como Jorge Ben, Rogério Duprat, Gil, Gal e Jards Macalé). Tenho escutado o último do Curumin, por exemplo, que descobri na semana passada".

Bom, bem da verdade e resumidamente, eu diria que o som do Bazar é isso mesmo: um cruzamento de Beatles com os Mutantes. Com cheiro de capim gordura e sem muita complicação. Sem tentar ´ser cabeça´, simples assim. Aliás, uma das coisas que mais me admira na banda é exatamente a simplicidade: na mão dos Pamplonas, qualquer história banal pode virar canção. "As letras estão prontas por aí, tiramos de qualquer lugar. Ultimamente, temos usado as perguntas feitas por entrevistadores para as letras das novas músicas!", brinca (de novo) o vocalista.

Um bom exemplo é uma das músicas mais solicitadas nos shows, a divertida "Recado para Karen Cunha" (que infelizmente não está no álbum), sobre um cd não devolvido dos Beach Boys. Perguntei ao Estêvão sobre a veracidade do fato: "Ela é real, mas faz tempo que não a vejo. Ela parou um pouco de acompanhar a banda; diz que nos vendemos ao sistema, ficamos um pouco mais conhecidos etc. Uma vez ela me disse que mandaria pôr no túmulo dela: ´Agradeço ao Bazar Pamplona por ter me mostrado os Beach Boys´". O tal recado ainda rende um dos momentos ´interativos´ da performance dos meninos, quando o próprio vocalista faz o Bob Dylan no clipe de "Subterranean Homesick Blues" e segura cartazes com a letra ´complexa´ da música. E todo mundo canta junto, não tem como!

Falando em shows, esses também merecem destaque. Eu adoro ir a shows do BP porque eu sempre rio horrores e me divirto com os comentários inusitados dos quatro rapazes da Paulista, que adoram fazer piada deles mesmos. É o tipo de coisa que te deixa feliz mesmo depois de um dia sofrível de trabalho. Ah sim! Não posso esquecer de mencionar as tradicionais ´palminhas´ (aquele brinquedinho que são umas mãozinhas de plástico. Fazem um baita barulho, que vira parte das canções do Bazar) sempre distribuídas à platéia. E os flyers/convites mais engraçados que eles inventam também.

E pra terminar a coluna, uma nota importante (e com tom mais sério, se é que isso é possível): a grande irreverência do BP, que fique claro, não desmerece a competência e qualidade musical dos meninos. Eu sei que várias bandas tentam ser ´engraçadinhas´ (o que eu particularmente odeio), na tentativa encobrir o que de fato interessa numa banda: o talento pra música boa. E ouvir canções como "Agora eu sou vilão" (que tem aquele swing ´papapá´dos anos 60 delicioso), a linda "Céu de cinema americano" (minha favorita, e acho que de muita gente também!), "Pequeno Manual do Corpo Humano", "Num Dia Cor de Laranja" (que sabiamente recomenda: "se você estiver triste a banda faz a música e você canta") e a ótima "A música que ninguém nunca escutou" (du-vi-do você não ficar cantarolando o refrão o dia todo!) só provam que as nuvens carregadas de riso do Bazar Pamplona vieram pra ficar e fazer chover. Fanta laranja, de preferência.

+ Para saber onde encontrar os bigodes postiços (e outras estripulias) dos Pamplonas, dê uma olhada no site deles, que está todo reformulado e (re)estréia essa semana: www.bazarpamplona.com.br

+ Para ouvir: confira o MySpace da banda

Quem é o colunista: Miss Má é jornalista formada em 98 pela Metodista de SBC.
O que faz: É professora de educação infantil, e dj e produtora (e agora colunista) nas horas vagas. Comanda o projeto quinzenal "Rockload", as terças-feiras no Studio SP.
Pecado gastronômico: batata frita e pizza (não juntos necessariamente!)
Melhor lugar do Brasil: Sampa. Sempre Sampa.

Atualizado em 6 Set 2011.