Guia da Semana

Bem, vou começar a coluna deste mês polemizando. Quem me conhece um pouco melhor sabe que eu sempre tive certa restrição a essa fusão de música regional brasileira com rock. Certo, vou confessar: eu tenho lá o primeiro disco do Chico Science - e acho divertido) -, mas a Nação Zumbi (bem como seus derivados) nunca me "desceu redondo". Eu sei, é coisa minha, coisa de gosto (talvez bem duvidoso para a maioria), mas o fato é que alguma coisa ali sempre me incomodou. Sei lá, a estética sonora; algo não batia... Não achava possível uma combinação bacana entre o popular brasileiro e as minhas tão amadas bandas de guitarras importadas.

Mas uma olhada mais cuidadosa sobre o que vem acontecendo no nosso terreno musical prova que as regras (mesmo as mais particulares) permitem a existência de louváveis exceções. A primeira veio do Ceará, terra de meu pai e chama-se Cidadão Instigado. Demorou uma temporada de shows no antigo Studio SP para que a trupe de mestre Catatau ganhasse meu coração. Mas esta coluna não vai ser dedicada a eles pelo simples fato de que isso foge a minha primeira proposta de comentar bandas que ainda não estão sob os holofotes da grande mídia (mas que eu aposto: um dia estarão!). E o Cidadão é uma banda pra lá de citada pela imprensa especializada.

Foto: Edison Caetano


A segunda atende pelo nome de Los Porongas e é o que justifica essa coluna: ganhou minha admiração no primeiro show em que ouvi os meninos. A definição do som da banda? Na minha humilde opinião, finalmente o casamento ideal de ritmos bem brasileiros com as guitar bands, principalmente as britânicas. Como se Jonny Greenwood (do Radiohead) resolvesse dar uma voltinha na festa do boi de Parintins (no Amazonas). E visse que era bom!

Acho que a grande sacada dos Porongas é o fato de que, apesar de investir muito no regionalismo, sua música não pesa tanto na percussão (como a maioria de outras bandas costuma fazer, colocando uns dez instrumentistas no palco). Ao contrário, o grupo concentra esforços no conjunto harmonioso de boas guitarras, voz e melodia. Além da guitarra poderosa de João Eduardo (que fica muito mais potente ainda ao vivo!), os Porongas têm o trunfo da total entrega vocal do talentoso Diogo Soares, devidamente apoiado pela primorosa cozinha da banda.

E a química bem acertada dos meninos começa a chamar a atenção na imprensa: já ganhou matérias na Rolling Stone do Brasil e Argentina, dentre outras publicações. Há também o lançamento do DVD (um projeto do Itaú Cultural) programado para julho. A novidade mais quente é a assinatura de um contato com a agência de música contemporânea Barraventoartes, que conta com nomes como o Vanguart em seu cast de artistas.

Riqueza distante

Os Porongas vêm de um dos estados mais remotos do nosso mapa, o Acre, perdido lá pelas bandas da Amazônia ocidental brasileira. Um lugar que a minha mente cosmopolita sequer consegue conceber. E essa foi minha primeira curiosidade a respeito da biografia dos Porongas quando conversei com João Eduardo: como é morar em Rio Branco? Sua descrição foi fantástica "O Acre é um lugar de muitas peculiaridades, um outro Brasil. Mas ao mesmo tempo está completamente conectado com o mundo em todos os sentidos. Com um simples passeio pelas ruas de Rio Branco, você pode topar com intelectuais, artistas plásticos de renome, compositores, excelentes poetas, autoridades políticas, bandas de rock, ambientalistas, índios e ex-seringueiros. Pode sentar na praça Plácido de Castro pra tomar um tacacá (prato típico local). Você pode estar andando de carro e de repente, às três da tarde, escutar Bauhaus na programação da Aldeia FM, rádio estatal de lá".



Mas apesar da beleza e do fascínio de se viver no Acre, a banda trocou Rio Branco por São Paulo recentemente, "principalmente pela questão geográfica", diz Eduardo. "Fica muito difícil deslocar-se de lá para outros lugares em virtude do alto custo. Outra coisa que também nos motivou foi o aumento do leque de contatos na área musical. Estamos aqui desde abril do ano passado e estamos achando São Paulo muito louco, em todos os sentidos!".

O mistério das "Porongas"

O nome tem uma explicação tão original quanto o som da banda: "Poronga é uma luminária artesanal que o seringueiro manufatura à base de latas de óleo", conta João Eduardo. "Colocada sobre a cabeça, ela auxilia durante o processo da extração do látex da seringueira, que geralmente inicia-se de madrugada.

O embrião do que seria o Los Porongas começou em 2002, como conta o guitarrista: "Eu e o Diogo nos conhecemos durante o Festival Universitário da Canção desse mesmo ano, na UFAC, onde inscrevemos algumas parcerias. Depois, convidamos o Márcio Magrão (baixo) e o Jorge Anzol (bateria), dois músicos experientes da cena acreana, e ali estava configurada a formação original.". E ele continua "As influências dos Porongas são as mais diversas. São quatro caras oriundos de universos musicais diferentes, que curtem coisas diferentes, que passeiam por música brasileira dos anos 70, Smiths, Sugacubes, Stone Roses, Beatles, a viola caipira do Roberto Corrêa, Ocean Colour Scene, Los Hermanos, Radiohead e por aí vai...".



Pergunto a ele sobre como os Porongas compõem as músicas: "Quem escreve as letras é o Diogo, e a banda compõe as partes musicais nos ensaios. Já surgiram músicas de várias maneiras, com um riff de baixo ou de guitarra, ou uma levada de bateria. Já ocorreu da letra ir saindo no ensaio, conforme a música pedia, ou então do Diogo ter uma base toda pronta gravada e escrever a letra. Já escrevemos refrões minutos antes de gravar a voz! Acho que foi em Lego de Palavras.

E falando em música, vamos às impressões do CD do quarteto de Rio Branco (gravado e produzido pelo Philippe Seabra, da ótima banda brasiliense Plebe Rude). Los Porongas no geral é todo muito bom (o que digamos que hoje em dia é raridade, dada a quantidade de discos onde só consigo arrancar um mísero hit dentre 13, 14 músicas sofríveis). Já abre bem, com a bela Espelho de Narciso. Passa para a deliciosa Lego de Palavras, e pelas guitarras explosivas de Não Há (que no palco fica ainda mais energética). Tem O Escudo, que consegue somar uma das melhores letras do disco a guitarras com efeito e melodia que em nada ficam devendo a bandas como Manic Street Preachers.

Mas acho que o melhor fica reservado para o final: Ao Cruzeiro fecha o disco e é a prova derradeira de que frases como "Dai-me paciência/Haja tanta curva/Mas vale tanto a pena/Ver a cena da canoa /A proa quando apruma voa" (entoadas com ´aquele´ sotaque do norte) realmente combinam com riffs dignos de canções dos Stone Roses na sua melhor fase brit-pop. Definitivamente, adoro!

+ Para ouvir: confira o MySpace da banda

Quem é o colunista: Miss Má é jornalista formada em 98 pela Metodista de SBC.
O que faz: É professora de educação infantil, e dj e produtora (e agora colunista) nas horas vagas. Comanda o projeto quinzenal "Rockload", as terças-feiras no novo Studio SP.
Pecado gastronômico: batata frita e pizza (não juntos necessariamente!)
Melhor lugar do Brasil: Sampa. Sempre Sampa.

Atualizado em 6 Set 2011.