Guia da Semana

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A matéria de capa da revista Wired deste mês chama-se Unofficial Channels - qua traduzindo literalmente, significa canais não-oficiais. Ela apresenta 18 textos de colunistas diferentes, a respeito de um movimento latente na música. Mas não se trata de uma nova batida ou de um estilo, que fará os modernos de plantão correr para copiar a largura da barra da calça ou o comprimento das unhas. Os textos falam sobre o que está acontecendo nos cafundós do universo musical, em termos de mídia, de plataforma e (indo mais além) de "distribuição".

A reportagem traz, por exemplo, o revival das fitas cassete e outros aproveitamentos para CDs, tanto em formatos nos quais os músicos extrapolam a criatividade em seu estágio mais puro (gravando sem interferências de produtores e explorando os "defeitos" destas mídias), até o ponto de vista do colecionador e fã que, que com essas antiguidades, retorna ao passado, quando as gemas preciosas ( bootlegs) de seus objetos de desejo - as bandas - traziam consigo o diferencial da exclusividade e raridade.

Outro assunto que aparece nos textos são os blogs de download de música, também chamados de sharities - brincadeira com as palavras share (dividir) e charity (caridade). Para quem não sabe, de uns três anos pra cá, os blogs, em uma imprevista "parceria" com os sites de hospedagem, se tornaram palcos da maior revolução na música on-line desde o Napster. Se era necessário ter o software instalado e do outro lado da rede, alguém que tivesse em um servidor o que você procurava, hoje você navega na internet normalmente e, em três passos, acaba baixando um álbum inteiro, com imagem das capas em alta resolução, pelo próprio browser.

Mas, se você pensa que se trata de simplesmente roubar a música alheia, está muito enganado. Eu diria que alguns desses blogueiros são praticamente profissionais, visto o tempo que se dedicam às suas páginas. Estas, em sua maioria, trazem um "termo de responsabilidade", dizendo que, caso algum artista se mostre ofendido, o link será retirado. O discurso dos blogueiros é que poucos artistas se incomodam, pois o que importa é a divulgação de seu trabalho. Segundo eles, blogs são "como uma loja de usados, só que ninguém lucra com ela".

E existem blogs para todos os gostos, mais especializados ou mais genéricos, de música ao vivo, de covers ou remixes, dedicados às décadas, com a capa, link para baixar e resenhas de três linhas. Há também os extremamente complexos, que chegam a ter entrevistas com o artista em questão. Nestes últimos, você pode encontrar um álbum raro fora de catálogo, algum lançamento recente e até material que nem foi lançado ainda. É uma doideira.

Isso sem contar que a discussão qualidade/quantidade entre o velho e o novo cai por terra, pois eu, que me considero razoavelmente conectado com o passado e o presente, quando chego nesses blogs, descubro que sou um zero à esquerda. Se pensava que não conhecia 70% das bandas atuais, agora eu sei que o que eu conheço não chega a 1%. E com relação aos artistas antigos, é ainda pior. Eu nunca descobri tanta coisa bacana, diferente e estranha nos últimos meses.

Talvez, para o leitor, esse papo seja o mais banal do mundo. Mas, para um tiozinho como eu, que na adolescência praticamente recebia o salário em discos de vinil - trabalhei na histórica e saudosa Wop Bop - e tinha que esperar meses até que chegasse uma encomenda de importados, pagando uma pequena fortuna para obter uma fita cassete, esse negócio de clicar e baixar é um susto. É como redescobrir uma paixão de anos atrás.

É isso. A relação da minha geração com os blogs de música é obsessiva-compulsiva, como uma paixão antiga, e não sei se há tratamento. Não existe um minuto em que não esteja baixando alguma coisa. Vou trabalhar e deixo o computador na ativa. Chego no serviço e pesquiso novas fontes de conhecimento. E de volta ao lar, invado a madrugada com fome que beira a pornografia. Pensando bem, se você acha que seu filho adolescente está na web se divertindo em sites pornôs, engano seu. Tenho certeza que ele está se entupindo de música de blogs. Pelo menos é isso que eu digo pra minha namorada.

Leia colunas anteriores de Ronaldo Miranda:

? Uma luz no Fim do Túnel


? Show de Horrores


Quem é o colunista: Ronaldo Miranda, diretor de arte que saca o talão de cheques quando ouve a palavra cultura

Pecado gastronômico: Marzipan

Melhor lugar do Brasil: Golçalves, Sul de Minas

O que ele ouve no carro, em casa e no IPod: Daisy Chainsaw.

Para falar com ele: Mande um e-mail para: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.