Guia da Semana

Fotos: Gael Oliveira

Em 100 metros, Walter Mancini ergueu seis estabelecimentos comerciais: todos com sua cara, cada um ao seu jeito

A Família Mancini tem um novo membro. A abertura do Madreperola, agora em maio, vem se somar às outras quatro casas, cada uma para um tipo de público que vem de diversas partes do Brasil e do mundo para conhecer a rua Avanhandava, no centro de São Paulo. Executivos que gostam de uma happy hour cheia de bossa nova e standards do jazz têm o Camarim 37. Já quem prefere uma refeição em ambiente classudo com um piano de fundo tem o Walter Mancini Ristorante. Grupos familiares e mais jovens enchem a Pizzaria. Mas a prima-dona continua a ser a cantina Famiglia Mancini, que contabiliza mais de 10 milhões de clientes nos seus 31 anos, e como bem cita o jornal americano The New York Times, já alcançou o posto de instituição paulistana.

A novidade de Walter Mancini, empresário que chegou nesta rua no então degradado centro, em 1980, na verdade, é a ampliação física do bar Central 22 e o desdobramento de seu conceito. Aberto em 2007 como empório gourmet, o estabelecimento rapidamente virou um café de rua com salgadinhos e chope. Com a compra do boteco vizinho no meio do ano passado, as obras se arrastaram por todo 2010 e até abril deste ano.

A entrada de ambas as casas é única, fazendo praticamente do Central 22 o corredor de acesso ao Madreperola, um salão com 35 lugares. O cardápio reforça a cara mezzo bar, mezzo restaurante, com sanduíches como o Fim da Linha, feito com sardinha, cebola, tomate e hortelã, recheando um bom pão italiano (R$ 17), acepipes como o Marisco virado no mar, um balde com bom número dessas conchas fechadas (R$ 27) e saladas como a da Praia, repleta de lulas, camarões e palmito (R$ 39).

O empresário não entrega, mas quer fazer da nova casa a oportunidade de oferecer, a preços mais acessíveis, algumas de suas marcas registradas a um público mais afeito à informalidade, mesmo que vestindo terno e gravata. A combinação imbatível de frutos do mar, massa e molho de tomate que chega a custar R$ 97 no Walter Mancini Ristorante (individual) e R$ 104 no Famiglia (em versão farta para duas pessoas), fica nos R$ 58 do espaguete à Madreperola, feito com molho de tomate fresco e frutos do mar graúdos, entrando no prato camarão, vôngole, marisco, polvo e lula. O mesmo acontece com o balcão de antepasto, que vale R$ 5,50 na nova casa e R$ 8 nas demais. Outra bossa do bar-restaurante é o PF de bacalhau, disponível tanto no almoço como no jantar a R$ 29.


O espaguete à Madreperola: quase a metade do valor do cobrado no Walter Mancini Ristorante

O maestro desconversa sobre valores. "Trabalho de outra maneira. Ao todo, são mais de 200 pratos e não tenho menus sazonais. Gosto de ter o prato como um carimbo e fazê-lo sempre igual. O parmegiana daqui é o mesmo de 30 anos atrás. Já o antepasto é extremamente sedutor, não tem como escolher um único item em destaque, pois são mais de 70. Se não tiver cuidado, realmente lota e fica duro de encarar o segundo prato!", diz esse nonno, com quatro netos, 320 funcionários e que fará 70 anos em 2012. Entre viagens para correr maratonas e buscar produtos para suas casas e sua loja (a Calligraphia, instalada nos mesmos 100 metros de calçada), Mancini concedeu com exclusividade a entrevista abaixo.

Guia da Semana: Nas especulações do lançamento, o Madreperola foi apontado com uma casa mediterrânea, mas, conhecendo, percebe-se que a proposta não é essa...
Walter Mancini: Para falar a verdade, tem um monte de gente que fala de cozinha mediterrânea, mas o que isso é? No fundo, você monta um restaurante e vende o que o publico quer, você vai sempre adaptando. O Giancarlo Bolla (restaurateur do La Tamboille e Bar des Arts) diz uma frase muito interessante, que o restaurante é um barco e o cliente é o leito do rio. É ele que acaba levando o teu trabalho - e é verdade. Você vai mudando, alterando um prato e mantendo o que mais vende.

Guia da Semana: O que o Madreperola representa e quer representar dentro do grupo Mancini?
Walter Mancini: Não tem diferença de filosofia, apenas é um novo produto. Acho que grandes restaurantes para peixes e frutos do mar, com muitos lugares, enfrentam muita dificuldade, pois o cliente exige uma gama de produtos diferenciados, o que é uma dificuldade de encontrar. Optei por fazer um estabelecimento meio bar, meio restaurante. É pequeno, com apenas 35 lugares no salão e mais 40 na rua, e assim me desobriga de ter um vasto cardápio. A base do Madreperola é o bacalhau e o camarão, apresentados nos nossos clássicos, como o espaguete de frutos do mar, salgadinhos de camarão e o PF de bacalhau. Agora, se é bar ou restaurante, não dá para explicar, isso vai ficar da observação de cada cliente.

Guia da Semana: Como você avalia esses 31 anos de gastronomia paulistana?
Walter Mancini: Não faço consideração do que represento. Só quem pode mensurar isso é quem está fora do meu negócio, pois se fizesse, acho que ia pecar pela vaidade. Na verdade, sou um empreendedor que meteu a mão na massa e ofereceu a primeira rua revitalizada do centro de São Paulo. É importante pensar os restaurantes para fora do salão e cuidar do entorno. Com isso consegui um bom resultado. Agora, a avaliação cabe ao frequentador da rua e os clientes da minha casa.


O empresário encostado numa das paredes da nova paixão

Guia da Semana: Mas isso não dá orgulho?
Walter Mancini: Faço a minha parte como outros empresários e chefs de São Paulo fazem. E o resultado aparece, pois trabalho com muito respeito e seriedade para as pessoas usufruírem. Os meus filhos me dizem que eu posso não estar em nenhuma das casas, mas todos percebem minha presença, sabem que as casas são minhas. Só que a questão não é levantar um negócio para ganhar dinheiro, e sim para buscar um sonho. Com isso, você acaba colhendo os frutos desse trabalho.

Guia da Semana: Você iniciou nos negócios em baladas que marcaram época, como a Ton-Ton e a Cave, nos anos 80. Como essa experiência influencia seu trabalho?
Walter Mancini: Venho de discoteca, e das pesadas, com lotação de 400 pessoas por noite. Todas as casas que se chamavam de boate, naquela época, tinham uma cozinha de apoio. Claro que não tinham cardápio vasto, mas o Ton-Ton e a Cave tiravam 100 pratos por noite; aos finais de semana, 200, 300 pratos. As pessoas iam dançar e jantavam no lugar, esse era o hábito, mas isso foi mudando. Comecei com 17 anos, daqui a um ano e meio, faço 70, logo, são mais de 51 anos nesse trabalho de atendimento ao público, com gastronomia e música. E foi a música que eu não consegui desassociar da minha vida.

Guia da Semana: E por que a música?
Walter Mancini: Gosto de muitas coisas. Faço maratona, gosto de nadar, escrever, de pintura, fotografia e música. Trazer a música no nível que eu trouxe para dentro de um restaurante não tem na cidade, não tem quiçá no Brasil. Tenho 23 músicos funcionários entre a pizzaria, o Walter Mancini Ristorante e o Camarim 37.

Guia da Semana: Interessante notar que basicamente tocam ou o pianista ou trios... Talvez não falte um crooner de peso para as casas?
Walter Mancini: Isso é o pior negócio do mundo e esse risco eu não corro. Se um crooner de voz marcante sai da banda, ele abre um buraco no seu negócio.Tenho crooner, claro, mas não um Cauby Peixoto. Ele é único, e o dia que ele parar vai abrir uma brecha no Bar Brahma. Como ele, só o Pery Ribeiro, que está no Rio de Janeiro.

Guia da Semana: Essa questão do crooner é semelhante como você pensa o trabalho dos chefs das suas casas?
Walter Mancini: Sim, pois a assinatura do grupo está no molho, igual ao que era feito pela minha mãe, dona Maria Nina, quando abrimos. Claro que tenho minha equipe de chefs, da qual fazem parte o Zezito, chef da Família no jantar, o João Candido, que cuida do Walter Mancini Ristorante, o Chico Alves, responsável pelas cozinhas da Pizzaria, do Camarim e do Madrepérola, e tantos outros. Mas a assinatura está no molho.

Guia da Semana: E qual é o segredo do molho?
Walter Mancini: Não tem segredo, tem é qualidade do produto. Usamos frutos frescos e maduros, só tomate tipo Debora. São 500 quilos de tomate em molho todos os dias para os restaurantes. O molho é a estrutura da cantina, entra na parmegiana, no molho rose, nos frutos do mar, é o carro-chefe. O sucesso é que não temos geladeira para ele, não temos estocagem, detesto geladeira, fazemos todo dia, ele é vivo.

Guia da Semana: Mais do que os cinco restaurantes que possui, você é reconhecido pelo bom gosto, requinte e pequenas sutilezas que oferece à clientela, como os cartões postais. Para você, isso é oferecer felicidade?
Walter Mancini: Comecei com os cartões há mais de 20 anos. Nessa época, já via a dificuldade que era encontrar postais e enviá-los. Na terceira maior cidade do mundo, onde trabalham homens e mulheres e seus filhos, não dá tempo de ir aos Correios. Agora, se eu puser o postal na mesa, pagar o selo e levar para o correio é fava contada, ele vai enviar. E o que o cliente faz para mim? Faz com que a marca Walter Mancini entre dentro de uma residência que antes jamais chegaria. Você não manda um postal, manda para o tio, a tia, a avó, e isso me interessa, pois isso é mágico, eles chegam no Canadá, no Japão, e isso gera respeito. Recebi há uns anos atrás um ramalhete de um americano que veio pessoalmente entregar e dizer que a única família que lembra do meu aniversário é essa.

Atualizado em 7 Ago 2012.