Guia da Semana

Por Leonardo Filomeno

Poucos são os brasileiros que não conhecem os versos consagrados de Inezita Barroso. Menos ainda aqueles que nunca tenham se deparado com uma garrafa da branquinha, bebida típica brasileira, cujo início da produção remete aos tempos dos escravos e que hoje se apresenta nos mais diversos lugares, seja no mais pé-sujo dos botecos ou na carta de bebida do conceituado restaurante D.O.M, de Alex Atala.


Segunda bebida alcoólica de maior consumo nacional - atrás somente da cerveja -, a produção está divididas entre 40 mil alambiques legalizados e clandestinos. E quem logo imagina um destilado de gosto ruim, que desce queimando e sem valor, certamente não conhece as quatro mil marcas que investem em tecnologia e tradição para oferecer aos consumidores uma bebida agradável e ideal para qualquer ocasião, que rivalize com o uísque e a vodca nos bares e cafés do exterior e no próprio país. Agora chegou a hora de conhecer melhor a bebida de qualidade, com legislação específica, representante de nossa cultura e que conquista, a cada ano, os paladares e corações entre consumidores de alto poder aquisitivo.

Números

Segundo dados da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), a produção nacional anual de cachaça é estimada em 1 bilhão e 500 milhões de litros. E esse mercado gera US$ 500 milhões/ ano, 450 mil empregos diretos e 1 milhão de indiretos. Do total produzido, 40% são de origem artesanal, dos alambiques, cuja liderança está em Minas Gerais, enquanto o restante são industriais, concentrados em São Paulo, Pernambuco e Ceará. Só no Brasil, consomem-se diariamente 100 milhões de copos de cachaça entre 18h e 21h, horário ideal para relaxar após um dia estressante.

Apesar de a maioria da cachaça comercializada ser produzida instantaneamente, em escala industrial e a preços abaixo de R$ 5, as bebidas artesanais crescem no mercado, são descansadas ou envelhecidas em barris de madeira nobre e levam anos para ficarem pronta. O resultado é um destilado puro e sofisticado, com garrafas que chegam a custar até R$ 900, como é o caso da Havana, produzida no município de Salinas, Minas Gerais.

Características

Para se ter um melhor rigor e fiscalização na produção, a legislação brasileira determinou que a cachaça é definida como "A aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38º a 48º, obtida pela destilação do mostro fermentado do caldo de cana-de-açúcar". Caso passe dessa graduação, a bebida é reconhecida somente como aguardente.

Diferente dos outros destilados, como vinho ou uísque que só envelhecem no carvalho, a cachaça é a única bebida no mundo que faz isso em até 24 tipos de madeira, como bálsamo, jequitibá, umburama e freijó. Jairo Silva, o autor da obra Cachaça - O Mais Brasileiro dos Prazeres, aponta a particularidade da pinga. "Eles (uísque e vinho) privilegiam o envelhecimento e no final ficam mais com o gosto da madeira do que a própria matéria-prima (cereal ou uva), o DNA da cachaça é bem mais simples e fácil de notar, o resto fica em segundo plano".

De maneira geral, podemos dividir a marvada em dois tipos: brancas e amarelas. As cachaças brancas têm o mais puro sabor da cana e normalmente são armazenadas em tonéis de inox para descanso por alguns meses (não é envelhecimento) ou em madeiras neutra - jequitibá e freijó - que não soltam coloração.

As cachaças amarelas podem ser armazenadas em um dorna de madeira e conseguem essa cor através da adição de extratos de madeira ou calda de caramelo, misturados na cachaça branca, adocicando o sabor em relação a cachaça normal. Dentro dessas, ficam também as envelhecidas, guardadas por, no mínimo, 12 meses em toneis de madeira brasileira - bálsamo ou imburana, amendoim, cedro, freijó, jequitibá, dentre outras - ou em carvalho americano ou europeu, importado especialmente para isso. Com o tempo, cada madeira contribui para oferecer a bebida um aroma diferente, além de conferir a cor dourado e o sabor aveludado.

Degustação

Confira as dicas que o sommelier da Cachaça Leandro Batista, oferece para aprender a degustar uma branquinha:

1. Visual
Analise a cor. Ela tem que ser límpida, transparente e não pode ter nenhuma partícula. Na borda do copo costuma a aparecer uma oleosidade da cachaça e logo depois começam a escorrer as ´lágrimas´. Quanto mais lentamente elas escorrerem, maior é a quantidade de etanol e melhor a destilação.

2. Olfato
No aroma não pode sobressair o cheiro forte do álcool que arrepia e faz os olhos lacrimejarem - símbolos de cachaça de má qualidade. Nesse momento é bom prestar atenção nesse sentido, cada aroma lembra uma coisa, as descansadas na umburana lembram canela, as descansadas no bálsamo lembram o anis.

3. Gustação
Quando você sente o aroma e começa a salivar, isso também significa uma aceitação do organismo. Segure um pouco de saliva na boca e misture com a dose da cachaça, segurando um tempo para apreciar os sabores - além de apreciar mais intensamente, isso alivia uma possível queimação que a bebida oferece.

4. Final
Depois de engolir, respire pela boca e solte pelo nariz, isso facilita sentir os aromas que a bebida propicia.

Harmonização

- Assim como o vinho, a cachaça pode acompanhar uma opção gastronômica. Para dar dicas de harmonizações, Jairo Silva organiza palestras sobre o tema e apresenta o drinque desde um simples aperitivo até um acompanhamento para doces.

- "No caso de um vinagrete com frutos do mar, ou mesmo uma comida japonesa, a cachaça branca (com 38º de graduação) é a escolha mais acertada. Pratos mais temperados, como a tradicional feijoada, pede uma bebida mais aromática. Nas sobremesas, sugiro uma salada de frutas ou sorvete de creme com canela e uma pinga envelhecida em madeira", finaliza Jairo.

10 cachaças para degustar


Saiba mais sobre o blend nacional:

Cachaça - A Bebida Brasileira
Autor: Erwin Weimann
Editora: Terceiro Nome
Ano de publicação: 2006
Páginas: 152
Preço: R$ 66

Cachaça - O Mais Brasileiros dos Prazeres
Autor: Jairo Martins da Silva
Editora: Anhembi Morumbi
Ano de publicação: 2008
Páginas: 212
Preço: R$ 59

Por Leonardo Filomeno

Atualizado em 10 Abr 2012.