Guia da Semana

Não é porque trabalho com alguns produtores brasileiros que eu levanto essa bandeira, mas há tempos nossos vinhos são preteridos em relação aos importados como se não fossem bons e nunca pudessem ser. Outro dia fui num restaurante sem tradição vinícola e perguntei qual era o vinho que serviam em taça. O garçom rapidamente respondeu "um Argentino", como se essa informação fosse referência de qualidade. O vinho que ele serviu era muito ruim...o nome não vem ao caso, mas o tom me surpreendeu, porque indicava que sendo argentino seria necessariamente bom. Porque não tinham um nacional, por exemplo? Tudo a ver ter um nacional para o serviço de taça, por exemplo....

Num outro dia, fui almoçar com minha mãe no restaurante Vira-Lata e, como não íamos beber muito, pedidos uma meia-garrafa. O sommelier Vitor gentilmente indicou uma excelente da Casa Valduga, o Dueto Cabernet. Minha mãe estranhou o meu pedido mas gostou do resultado. Leve, bem equilibrado, sem o corpo e estrutura pesada que em geral estão presentes nos argentinos.

Foto: Divulgação
Ora, é verdade que os brasileiros demoraram um pouco para aparecer no cenário vinícola do país. Também é fato que, como os importados entraram com muita força no mercado, os brasileiros tradicionais foram obrigados a melhorar suas técnicas de produção, replantar vinhedos e enfim, melhorar a qualidade dos vinhos que já faziam para que pudessem competir com o que vinha de fora, a preços ultrajantemente baixos, muitas vezes, mas como eram importados, eram vistos como sinônimo de qualidade.

Também tínhamos o problema da falta de hábito do brasileiro em tomar vinho, costume que teve um expressivo crescimento nos últimos 10 anos, aproximadamente. Até então os maiores consumidores eram descendentes de estrangeiros que consumiam, principalmente no Sul, o vinho por eles produzidos, sem olhar tanto para a qualidade. Fato semelhante ocorreu até na Argentina, país com tradição de alto consumo vinícola, mas quando quiseram entrar no mercado internacional precisaram reformular toda a sua produção. Hoje produzem muitos vinhos que nem se encontram para consumir na Argentina, destinados exclusivamente para exportação.

No Brasil, há alguns anos, muitas novas vinícolas estão surgindo com o objetivo exclusivo de produzir vinhos de qualidade como, para citar algumas, com a certeza de deixar muitas de fora, Pizzato, Lidio Carraro, Villa Francioni, Cordilheira de Santanta, Dezem, entre outras.

Estes produtores se voltaram exclusivamente para o mercado de qualidade, para restaurantes de categoria e consumidores muito mais exigentes do que antigamente, quando, por exemplo, os alemães de garrafa azul, sem nenhuma qualidade, invadiram nossas mesas. E que atire a primeira pedra quem nunca tomou um porre com estes vinhos. Mesmo produtores de vinhos mais simples como era a Salton (era, não é mais...!) ou ainda o Vinho Canção, partiram para a produção de vinhos de qualidade voltados para o mercado em crescimento. A Salton produz vinhos para ambos os mercados, sendo produtora de um dos melhores tintos brasileiros, como o Talento ou o Desejo. Já os donos de um líder de vendas no mercado de garrafão, o Canção, compraram uma vinícola muito tradicional, o Château Lacave e reformularam seus vinhedos e seus para atender no quesito qualidade, também com sucesso, como vinhos como o Anticuário ou outros. Tomei estes dias o Reserva Cabernet Sauvignon/ Tannat e estava ótimo.

O mercado reclama muito do preço dos vinhos nacionais, achando que por serem nativos PRECISAM custar menos que os importados. Esse é o grande preconceito que ainda impera entre consumidores e que não deixa nosso vinho deslanchar nas vendas. Mas temos que lembrar que o que regulamenta preço de vinhos não é só marketing, mas o custo da produção, e quanto mais qualidade ele tiver, mais difícil e custoso de produzir. (E não vamos esquecer do custo dos impostos, que pesa no preço final da garrafa..., mas isso é outra estória)

Todos os donos de restaurante comentam que vinho brasileiro de 60 a 80 reais, por exemplo, encalha nas cartas. Aí gera-se uma bola de neve, pois o produtor não tem lucro e não consegue baixar seu preço em outras safras. Mas essa reclamação quanto ao vinho brasileiro não está sendo feita baseada no paladar, no sabor. Os nossos vinhos estão cada vez melhores, mais redondos, equilibrados, com características diferentes dos vinhos de outros países, sim, mas como o vinho deve ser. Cada qual com o seu terroir e seu paladar próprio.

Essa semana fui a uma degustação de vinho de Altitude produzidos em Santa Catarina. Nem sabia que tinham tantas vinícolas por lá, e todos com grande potencial e qualidade. Para nem falar dos nossos espumantes, que são cada vez melhores, e agora com reconhecimento mundial. Tomei recentemente o espumante Rosé do Adolfo Lona, que me foi apresentado pelo sommelier João, do Terzetto, do Rio de Janeiro... que maravilha! Eu e meu amigo começamos a noite com uma taça e acabamos tomando a garrafa inteira com o jantar mesmo.

O apelo dessa coluna é para que o consumidor que aprecia vinho fale do vinho brasileiro baseado no paladar, antes de afirmar por aí que vinho brasileiro não é bom ou que custa caro e não vale o que custa. Pode ser que alguns não valham, mas a maioria dessa nova safra vale sim...

A Cordilheira de Santana, de Santana do Livramento, lançou recentemente o tannat e um jornalista elogiou muito a sua qualidade, mas comentou, por escrito, que era caro! Bem, não poderia ter "aquela qualidade" se não fosse na faixa de R$ 35 a R$ 50, uma boa faixa para se encontrar qualidade em vinhos do Brasil ou de qualquer outro país. Mas com essa propaganda contra, fica difícil trabalhar. Portanto, em época de consciência negra, abaixo o preconceito contra frutos de nossa terra...

Quem é a colunista: Denise Cavalcante, jornalista.
O que faz: Trabalha com eventos de vinhos e gastronomia.
Pecado gastronômico:Abrir garrafas de vinho para tomar sozinha, mas não ter coragem de abrir os melhores só para mim!
Melhor lugar do Brasil:Minha casa, ao lado do meu filho.
Fale com ela: [email protected]

Atualizado em 7 Ago 2012.