Por Bruno Cesar Dias
Elas são difíceis de encontrar, têm divesos formatos e comumente são marcantes: ou extremamente azedas, ou dulcíssimas ou com um cheiro sentido a quilômetros de distância. Entre todos os ingredientes da cozinha, nenhum ganha das frutas no quesito diversidade e possibilidades de uso. E não estamos falando de banana, laranja e morango, mas sim de biri-biri, pequi, lichia e lúcuma.
"Vejo como desperdício os nossos restaurantes, independentemente do tipo de cozinha que fazem, não aproveitarem frutas locais e diferentes, mesmo que deem mais trabalho para se conseguir. Com elas, consigo pratos mais frescos, bonitos e valorizados", explica a chef Renata Vanzetto, do paulistano Marakuthai, ao defender esses ingredientes, por muitos considerados exóticos, em sua cozinha contemporânea de inspiração tailandesa.
A elasticidade proporcionada pela natureza é comprovada pela chef em pratos nos quais ela se vale da sua formação europeia, como na panna cotta de lichia, utilizando a fruta tanto na massa do pudim italiano como também na calda.
Aliás, a fruta de origem chinesa é a queridinha do momento. Ela foi chegando aos poucos, há cerca de cinco anos, e atualmente é possível comprá-la de bacia em feiras, mercados e carrocinhas nas grandes avenidas do eixo Rio-São Paulo. A lichia está também no bifum com lula e camarão da rede japonesa Manekineko e no estrelado NAO, sendo salteada na manteiga e no manjericão e servida como guarnição do linguado em crosta de parmesão. Em São Paulo, além do Marakuthai, pode-se apreciá-la no Tantra, onde é servida com camarão e lula junto com outras frutas para lá de "estranhas", como physalis, fruta do conde e mangostim, além dos nossos velhos conhecidos morango, mamão e abacate.
Oriente-Ocidente
Se por um lado o fator raridade dificulta a popularização desses ingredientes, , por outro permite uma maior exploração da experiência gastronômica. "Todo mundo fala que o prato afrodisíaco é difícil, mas na verdade não é. Elementos simples, porém inusitados, como as frutas, são capazes de despertar os sentidos, do paladar, olfato e da visão", comenta Eric Thomas, chef do Tantra, de São Paulo.
Estudioso e praticante da gastronomia afrodisíaca, Thomas conta que o uso dessas frutas na cozinha salgada e quente é um legado oriental, um verdadeiro mistério das Índias, da China, Tailândia e do Japão. De lá vem também outra combinação recorrente já percebida pelo leitor gourmet mais atento: o divino encontro entre as frutas da terra e frutos do mar, como na lagosta com camarões com vinagrete de frutas proibidas. "Os clientes se surpreendem em encontrar as frutas cortadas em vinagrete quente, em diálogo com o forte condimento acrescido à lagosta e ao camarão", detalha o chef, que destaca o prato como um dos de maior saída das duas unidades do restaurante.
Pedro Vidal, comandante da cozinha do carioca Zaza Bistrô, é outro adepto cozinha tailandesa contemporânea, brinca com esses contrastes na salada de biri-biri, um fruto da nossa terra, mais precisamente da Bahia.
Pequeno, compridinho e de cor verde, o biri-biri lembra um picles, mas a textura é próxima à carambola. Já o sabor é marcado pelo azedo e pela acidez instantânea à primeira mordida, características percebidas por Vidal como ideais para substituir a manga e assim renovar a salada thai de frutos do mar. "Em cozinha, misturar doce, azedo, salgado, amargo é uma questão vital, tanto de equilíbrio para o prato como para o paladar. Vai depender da habilidade do cozinheiro e do chef encontrar os pontos adequados".
Raízes do Brasil
Aqui se plantando tudo dá, disse Caminha. Mais que isso, o navegador português não teve tempo suficiente para descobrir todos os sabores naturais do Brasil. Tarefa impossível para qualquer mortal. Assim como o baiano biri-biri, temos o amazônico cupuaçu, o paraense camu-camu, a sulista bergamota (uma espécie independente, porém próxima, da tangerina), o pequi do Cerrado. Com esse em particular, Renata Vanzetto sofreu.
"Quando descobri que não havia doce com pequi, nem de compota, fiquei cismada e junto com meu confeiteiro decidimos inventar algo. Foram duas semanas de tentativas, e só dava tudo errado. Até que brincando, ele sugeriu algo como um petit gateau", conta a chef. Nascia assim o pequi gateau, que, assim como o bolinho metido a francês, mas de origem norte-americana, tem sua massa e recheio feitos dos mesmos ingredientes. "Não é uma sobremesa para qualquer pessoa, tem de gostar do característico sabor do pequi, muito difícil de descrever, mas impossível de não perceber quando o prato entra no salão", ri Renata.
Já o cupuaçu com mussarela de búfala, servido no Palaphita Kitch, não tem contraindicação. "Quem reclama de frutas é por falta de contato, pois de fato é difícil de transportar, e logo, de consumir, mas o gosto por elas, com suas variadas cores, aromas e texturas, reflete diretamente no nosso relacionamento com o paladar", explica o manauara Mario de Andrade, criador de boa parte das iguarias servidas no quiosque chique na Lagoa Rodrigo de Freitas. Palavra de quem come fruta, qualquer uma, no pé.