Guia da Semana

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Um mundo sem um drinque. Sim, ele existiu. Até a década de 20, coquetéis praticamente inexistiam, já que boa parte deles foi inventada durante a Lei Seca americana.

Funcionou assim: alguns líderes protestantes muito criativos acharam que seria uma boa proibir a venda de bebidas alcoólicas. Não me perguntem por quê. Talvez os índices de acidentes com cavalos e charretes fossem preocupantes. Mas logo surgiram os speakeasies, pontos de bebida clandestinos que eram controlados pela máfia, onde os não-puritanos supostamente reuniam-se para conversar.

Como as bebidas eram produzidas de forma caseira, e a produção de fermentados é difícil, criavam-se vodcas, gins, bitters, uísques, runs e brandies passíveis de serem engolidos em caso de crises de existência ou abstinência. Para atrair a clientela, os donos dos bares passaram a oferecer também jogos e prostituição (se a bebida era má, as garotas tinham que ser muito más). Mas o pulo do gato foi a oferta de coquetéis: bebidas misturadas a sucos, frutas, refrigerantes, açúcar, xaropes, mel, leite, natas, cacau, chá, café, ovos e até sopa, que mascaravam o mau gosto. O coquetel foi um sucesso; a Lei Seca, um fracasso.

Em 1933, em plena Grande Depressão, até o governo precisou de um goró. A lei caiu. E os speakeasies seguiram, então chamados de american bars. Ganharam o nome porque tinham uma barra (em inglês, bar) do lado de fora do balcão, para o sujeito apoiar-se quando não pudesse mais ficar em pé.

Um século depois, Bloody Mary, Cosmopolitan, Manhattan, Alexander, Bacardi e Martini ainda são os coquetéis mais vendidos do mundo. Os únicos exemplares não-americanos que figuram na lista dos dez mais são Margarita, Mojito, Daiquiri e... Caipirinha! Sim, nossa caipirinha é, segundo dados oficiais, um dos drinques mais populares do planeta, a ponto da receita ser regulamentada pela International Bartenders Association (IBA).

Cada brasileiro tem sua própria receita: doce, sem açúcar, com melado, com a casca do limão, sem a casca, com o suco espremido, com lima da Pérsia, limão galego, limão siciliano, com cachaça escura, vodka, saquê, variedades de frutas, licores adicionados, batido na coqueteleira... Mas, quando for servir um estrangeiro, por favor, faça a legítima:

- Separe um limão taiti, duas colheres de açúcar e uma dose de cachaça.

- Prefira limões de tamanho médio, maduros, de casca mole.

- Em receitas de coquetéis, as "colheres" não são de sopa, são bailarinas: aquelas colheres de bar, com cabo longo, usadas para montar e mexer drinques. Se não tiver uma, use uma colher de chá como referência.

- Utilize a melhor cachaça branca que tiver, de preferência artesanal. Não use as envelhecidas (aquelas de coloração dourada), para não alterar a coloração original do coquetel. Uma dose equivale a 5 ml - nem mais, nem menos. Se não tiver um dosador, recorra à balança, usando 50 g de bebida.

- Gele um copo de short drink (aquele típico copo de uísque), que pode ser o reto ou aquele que é menor na base do que nas bordas, como o nosso copo americano (conhecido como old fashioned). Para isso, deixe o copo no freezer ou cheio de gelo de gelo antes de começar o preparo. Esse truque ajudará a mantê-lo gelado.

-Retire as "tampas" das pontas e corte o limão em quatro a oito gomos. Não corte em rodelas. Não use aquela película branca mais grossa que fica bem no meio do limão. Ela concentra um amargor indesejável ao drinque. Quando cortado em gomos, essa parte ficará na parte interna das fatias. Corte a tira mais branca e descarte.

- Não retire a casca do limão. Além de ser fundamental para dar o colorido, é o principal agente aromático do coquetel.

- Coloque o limão e o açúcar no fundo do copo. Com um socador, pressione apenas o centro da fruta, sem forçar demais ou esmagar a casca. Isso evita a liberação do ácido cítrico contido no sumo da casca, que deixa o drinque excessivamente ácido.

- Acrescente a cachaça e misture com uma colher ou mexedor. Complete com gelo até encher o copo. Não bata o drinque com o gelo na coqueteleira! Se fizer isso, o gelo começará a derreter, gerando uma caipirinha mais aguada do que deve ser. Caipirinha é uma bebida mexida, não batida.

- Sirva imediatamente. Nada de fazer caipirinha em jarras duas horas antes do churrasco e deixar na geladeira. Assim, só em um speakeasy.

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O doce sabor do mar

A Itália além do macarrão

Quem é a colunista: Com formações em Publicidade e Gastronomia, Rosa Fonseca é chef de cozinha, professora e colunista.

O que faz: Trabalhou em restaurantes como o Félix Bistrot e o Beth Cozinha de Estar. Hoje, atua como personal chef.

Pecado gastronômico: Chocolate e queijo da serra.

Melhor lugar do Brasil: Minha casa.

Fale com ela: [email protected]


Atualizado em 7 Ago 2012.