Guia da Semana

The Joshua Tree: álbum fundamental na história do rock


A árvore que se pode ver na contracapa do álbum The Joshua Tree, do U2, não existe mais. Seu simbolismo, entretanto, permanece vivo, assim como as canções dessa obra-prima que acaba de completar 20 anos. Lançado em 1987, o maior sucesso da carreira da banda irlandesa leva o nome de uma espécie vegetal típica de desertos norte-americanos, capaz de sobreviver em condições extremamente adversas. Inspirado pela Árvore de Josué e toda a paisagem que a circundava, o grupo resistiu a certo embotamento musical que tomou conta de boa parte dos anos 80, e redefiniu o rock feito a partir daquele momento.

Fundamentais para o resultado final do álbum, os produtores Brian Eno e Daniel Lanois deram seu toque de Midas às faixas do The Joshua Tree. Ex-integrante do Roxy Music, Eno foi um dos pioneiros no uso de sintetizadores na música pop. Ao lado de Lanois, com quem trabalhou outras vezes com o U2, ele foi responsável por salvar algumas canções que teriam como destino a lata de lixo, além de talhar alguns dos clássicos da banda.

Seqüencia arrebatadora

O guitarrista The Edge
Pouco mais de um minuto dos riffs introdutórios de Where The Streets Have No Name já anunciam a grandiosidade da obra que se segue. The Edge e sua guitarra encantada irradiam vigor na primeira faixa do álbum, enquanto o baterista Larry Muller Jr. prepara a entrada de Bono. É a veia política do U2 pulsando com os primeiros acordes da canção, que procura desintegrar as fronteiras entre vocação e realização, partindo da segregação violenta que dividia as ruas da Irlanda do Norte entre protestantes e católicos.

A seqüência de clássicos segue com I Still Haven´t Fond What I´m Looking For, na qual Bono deixa transparecer o viés religioso que sempre pautou a carreira dos irlandeses. A faixa - que ganhou uma versão gospel no disco Rattle And Hum - soa como um hino à redenção, um verdadeiro salmo rock ´n´ roll, como outros tantos que a banda compôs.

Uma das músicas mais celebradas da história do U2, With Or Without You prova a sinergia que mantém a chama da banda acesa há quase três décadas. O baixo de Adam Clayton progride misteriosamente, The Edge colhe uma vibração hipnótica de seu ebow e Mullen Jr. marca o ritmo de um ambiente sonoro propício para o vocal de Bono, sóbrio a princípio, alcançar uma intensidade marcante ao longo da canção.

Os dois lados da América

É em The Joshua Tree, também, que o engajamento político-social fala mais alto. Duas de suas faixas tratam de temas delicados para a época, Bullet The Blue Sky e Mothers Of Disappeared. Enquanto a primeira lança uma crítica mordaz à intervenção norte-americana em El Salvador, a segunda disseca o drama dos familiares de presos e desaparecidos durante os anos de ditadura na América Latina, especialmente no Chile e na Argentina.

A mítica capa
Obliteradas pelo sucesso de With Or Without You, Where The Streets Have No Name e I Still Haven´t Found What I´m Looking For, um punhado de excelentes músicas não reverberaram como deveriam. É exatamente em Red Hill Minning Town, In God´s Country e Exit que repousa a América delirante em sua grandeza e vazia em suas contradições. Em diversas ocasiões, Bono declarou que o filme Paris, Texas, do diretor alemão Wim Wenders, teve forte influência na concepção de álbum. A imensidão desértica das paisagens que permeavam o longa vencedor da Palma de Ouro de Cannes é claramente refletida não apenas nas letras do disco, mas nas fotos que o envolvem.

Vista pelos olhos de quatro jovens irlandeses, a esquizofrenia americana parecia uma questão indomável. Ao mesmo tempo em que a imensidão de seus vales e canyons causava espanto e admiração, o impulso belicista de uma potência em plena Guerra Fria era prontamente declinado. Curvar-se diante da confluência de ritmos, culturas e imagens que compunha os Estados Unidos parecia inevitável, assim como jogar duro quando o assunto eram as desigualdades internas e o constante intervencionismo ianque - tudo isso sem cair no proselitismo barato.

Bono e The Edge na contramão dos anos 80


The Joshua Tree alçou o U2 ao posto de maior banda do planeta não porque continha uma incrível sucessão de hits ou porque cimentou um tipo de rock politicamente comprometido, dialético. O que o álbum mais aclamado da banda comprovou foi a tendência de Bono, Larry, Adam e the Edge em não seguir tendências. Enquanto os ventos dos anos 80 sopravam para experimentalismos eletrônicos e para a consolidação de gêneros como o hard rock ou o new wave, os irlandeses seguiam na contramão, resgatando centelhas de folk, blues e rock ´n´ roll Estados Unidos afora para conceber uma das maiores obras-primas da história do rock.

Atualizado em 6 Set 2011.