Guia da Semana

Foto: Gabriel Oliveira


Nascido e criado no Rio de Janeiro, no morro da Tijuca, berço do carnaval brasileiro, o puxador Vaguinho de 42 anos, optou trocar a riqueza carioca pelo amor do samba paulista. Depois de passar por escolas de peso como Tijuca, Salgueiro e São Clemente no Rio, veio para São Paulo e cantou na Vai-vai, Peruche Mocidade Alegre e Tucuruvi. Mas foi na Mancha Verde que o interprete criou raízes e pretende ficar até seus últimos dias de carnaval. Depois de se envolver com drogas e quase largar o samba por causa da religião, Vaguinho entrou para elite do samba paulista junto com Douglinhas (Pérola Negra), Darlan (Rosas de Ouro) e Carlão (Vai-vai) formando o grupo Quesito Melodia.

Guia da Semana: Como foi a sua trajetória dentro do samba?
Vaguinho: A Tijuca foi a minha primeira escola, naquela época só havia eu e o Nego. Daí em diante comecei a cantar, fiquei um tempo lá, depois na São Clemente Salgueiro, voltei para a Tijuca e depois novamente São Clemente. Em 95 eu fiz um contrato com a Unidos do Peruche (SP) aí eu cantava simultaneamente em São Paulo e Rio de Janeiro. Depois do disso decidi ficar aqui de vez. Cantei na Mocidade Alegre e Tucuruvi. Em 2001 vim pra Mancha Verde e em meados de janeiro de 2002 fui para Leandro de Itaquera. Cantava nas duas até a Mancha subir para o grupo especial em 2004. Fiquei só na Mancha em 2005 e 2006, quando tive alguns problemas burocráticos nessa época apareceu a oportunidade de cantar em uma das maiores escolas de samba do país, a Vai-Vai. A verdade é que eu me dei muito bem lá, mas tive a graça e a felicidade de voltar para a Mancha. Espero que até encerrar a minha carreira ainda estar por aqui.

Guia da Semana: Qual é a grande diferença entre cantar no Rio e em São Paulo?
Vaguinho: No Rio de Janeiro a gente tem a mídia o tempo inteiro dando aquele apoio, a gente sempre está exposto.E é mais visto, se torna bem mais conhecido. Aqui em São Paulo é bem mais paixão, bem mais amor, a gente está próximo do nosso povo, ninguém tem que pagar de artista. Somos todos iguais, mais pé no chão e eu gosto muito mais assim. Foi por causa disso que eu decidi ficar aqui, porque eu vi aqui eu já não via mais lá, o público de verdade. Aquele que rala o ano inteiro para comprar a sua fantasia pra estar desfilando é jogado de escanteio, isso não acontece aqui.

Guia da Semana: Por quê o samba paulistano fica em segundo plano no carnaval brasileiro?
Vaguinho: O Rio de Janeiro é uma cidade turística e o carnaval é um ponto turístico, é algo que chama atenção do mundo inteiro, Por isso que o carnaval ainda não chegou, pode ser que ele chegue, eu sei que é difícil por que lá no Rio o poder aquisitivo dirigido ao carnaval é muito maior, lá é investido cerca de três milhões de reais aqui acho que não chega a um milhão.

Guia da Semana: E o carnaval de São Paulo? Está melhorando?
Vaguinho: Tá melhorando muito. Cada ano que passa evolui mais, o público está reconhecendo. Aqui em São Paulo, infelizmente, quando eu cheguei, puxador de samba não era considerado profissão, hoje é. A profissão de interprete não era valorizada, alguns desprezavam, hoje já estamos vendo uma diferença e tem uma molecada tremenda vindo aí, que já está se desvencilhando do mundo da criminalidade para cair de cabeça no mundo do carnaval e virar um interprete, uma porta bandeira.

Guia da Semana: Quais são as suas referências no samba?
Vaguinho: Como compositor Davi Correa, como interprete Neguinho da Beija Flor e Dominguinhos do Estácio.

Foto: Gabriel Oliveira


Guia da Semana: Como é cantar em uma escola de Samba ligada a uma torcida de futebol tão forte quanto a Mancha?
Vaguinho: A maioria das escolas de samba nasceram de um time de futebol, a Unidos da Tijuca é uma, Salgueiro e Portela são outras, todas dissidentes de futebol. Em São Paulo é a mesma coisa, só que são dissidentes do Palmeiras a outra é do Corinthians. Samba sempre esteve ligado ao futebol, não sei porque essa perseguição, que chega ser descabida. Pra mim, cantar na Mancha é uma honra, um prazer imenso, eu gosto de ver essa quadra cheia, o componente não está ali por obrigação, empurrado, eles cantam com amor, com paixão.

Guia da Semana: Dá para viver só de samba no Brasil?
Vaguinho: Olha, eu vivi (risos). Graças a Deus eu consigo sustentar a minha família, meus filhos. Sempre consegui dar tudo do bom e do melhor para eles, mas foi muita ralação. A gente fica feliz de ver os amigos, que estão começando agora, poder desfrutar da mesma semente.

Guia da Semana: Em algum momento o samba atrapalhou a religião e vice-versa?
Vaguinho: Houve um momento que eu atrapalhei as duas coisas. A gente tem que aprender a separar alho de bugalho. Eu aprendi que o homem que atrapalha Deus a agir. Quem errou fui eu. Cheguei a me afastar do samba quando na verdade é a minha profissão e o meu trabalho.

Guia da Semana: Quando você chegou em São Paulo, passou por muitas escolas. Por causa disso te chamaram de mercenário. Como você vê isso?
Vaguinho: Eu sou um profissional, quando a gente se dedica alguma coisa nós temos que ser profissionais e ver o nosso lado. Em 97 que o pessoal não entendeu muito, que por conta da minha conversão (religiosa) eu não queria mais cantar até que eu cheguei em uma situação que eu precisava trabalhar, foi aí que eu fui parar no Acadêmicos do Tucuruvi, não que eu troquei a Mocidade pelo Tucuruvi, a Mocidade já tinha um interprete que o Nilson, que na época até cantou com o Neguinho da Beija Flor, o André Pantera. Como é que eu ia chegar na porta da Mocidade e falar "olha eu me arrependi e quero voltar a trabalhar", eu não podia fazer isso. A partir de 2000 até 2002 quando eu ainda não tinha certeza que eu queria voltar definitivamente a cantar eu fui fazer outras coisas, Não queria justamente pelo fato das pessoas me chamarem de mercenário, as pessoas não entendem. Por que chamar de mercenário? Acaba o carnaval vai cada um tomar conta das suas vidas, principalmente numa cidade grande como São Paulo, como é que eu iria sobreviver? Eu optei sair do Rio e vir morar aqui sem conhecer um milímetro da cidade, então eu precisava me virar. Fui vender pastel, produto infantil, comprei um carrinho de hot-dog, fui motorista.

Foto: Gabriel Oliveira


Guia da Semana: Qual é o truque para aguentar a voz por tanto tempo nos ensaios e na apoteose?
Vaguinho: Procurar se tratar, porque a idade chega e nunca é a mesma coisa. Já estou com 42, não sou nenhum garotinho, então a gente toma sim alguns cuidados especiais. Não toma gelado, come maça verde, hidratar bastante, dormir bem, se alimentar bem, na época do carnaval perder uns quilinhos. Não tem algo muito especial, também faço uns exercícios vocais com a fonoaudióloga, vai ao médico com regularidade.

Guia da Semana: Tem algum vicio?
Vaguinho: Não bebo, nem fumo, de maneira nenhuma, absolutamente nada de errado. Mas já fiz muito, eu quase acabei com a minha carreira e minha vida por causa de droga. O negócio é saúde.

Guia da Semana: Como fazer para não perder a empolgação cantando o mesmo samba enredo durante meses e na avenida e parecer que está cantando pela primeira vez?
Vaguinho: É viver o que eu está fazendo. Seu eu canto com garra, amor e emoção, eu passo tudo isso para o público, eu tenho que viver a letra do samba, principalmente, tento me enquadrar dentro da história. Samba enredo é uma das poucas músicas que não se faz caras e bocas e não precisa de muita técnica para cantar, é na raça mesmo.

Guia da Semana: Como surge sua inspiração para escrever suas letras de samba?
Vaguinho: A inspiração é algo que não se explica. Eu comecei muito novinho, com oito anos de idade, lá no Rio de Janeiro. Eu imitava meu pai que também era compositor, eu via o meu ele compondo com o Carlinhos Arruda, Ditão, Nelson Coelho do morro do Boreu. Aquilo entrou no sangue. Tentava imitar o máximo que podia, menos no futebol que o meu pai não jogava nada.

Guia da Semana: Em média, quanto ganha um puxador de samba?
Vaguinho: Complicado falar... Tem gente que ganha R$ 15 mil pra cima.

Atualizado em 6 Set 2011.