Guia da Semana

Ícone do movimento mod, o The Who lançou a ópera-rock Tommy em 1969


Fora de moda desde meados dos anos 70, quando viveu seu período mais fértil, a ópera-rock volta e meia dá sinais de vida. Nos últimos anos, artistas como Green Day, Neil Young e Flaming Lips têm flertado com o gênero, ainda que não o encarem de maneira aprofundada. Apropriando-se de elementos teatrais para conceber álbuns temáticos, em que histórias geralmente fantásticas são interpretadas em capítulos - da mesma forma como uma peça é fragmentada em atos -, a ópera-rock produziu clássicos como The Wall, do Pink Floyd, e Tommy, do The Who.

A mente criativa de Pete Townshend

Um dos pilares do rock sessentista britânico, ao lado dos Beatles e dos Rolling Stones, o The Who não foi apenas o ponta de lança do movimento mod, como também responde por alguns dos álbuns mais venerados das últimas décadas, como o sempre clássico My Generation (1965) e o imponente Live At Leeds (1970). Capitaneado pelo inquieto Pete Townshend, o quarteto deu vida a ópera-rock mais célebre da história da música, Tommy (1969).

Rompendo com os preceitos básicos da música da época, Pete Townshend amarrou a história de seu anti-herói, Tommy, em duas dúzias de canções, criando não apenas mais um disco conceitual, mas uma verdadeira ópera-rock, aclamada instantaneamente por crítica e público. Em sua versão original, apesar de dispensar o respaldo de uma orquestra, o álbum ganhou reforços de peso, como Rod Stewart e Ringo Starr.

Elton John faz ponta no musical de 1975
A história contada por Townshend, cabeça por trás do disco, explora questões em voga naqueles tempos, como o abuso de entorpecentes, psicodelia e liberdade sexual, criando um pano de fundo ideal para a evolução de seu personagem. Após ficar surdo, mudo e cego em decorrência de transtornos familiares, o jovem Tommy sofre diferentes e constantes provações, colhendo dissabores e solidão. A guinada em sua vida se dá no momento em que domina uma velha máquina de pinball, tornando-se campeão da modalidade e arrebanhando legiões de seguidores, que não tardam em segui-lo como um autêntico líder religioso. Entretanto, sua seita logo é desmascarada pelos próprios fiéis, que vêem em Tommy mais um charlatão midiático.

Seis anos após ser lançado em disco, Tommy foi adaptado ao cinema pelas lentes do diretor Ken Russel, que contou com um elenco de impor respeito, formado por Jack Nicholson, Eric Clapton e Elton John, além dos próprios integrantes do The Who. O premiado musical ajudou a corroborar o caráter questionador da obra original, que colocava em xeque tabus como messianismo religioso, culto à personalidade pop, sexo e drogas alucinógenas. Iconoclasta, Tommy prima também pela ousadia musical, alternando faixas potentes, como Pinball Wizard e Sally Simpson, e experimentações instrumentais.

Com quantos tijolos se faz uma obra-prima

Relíquia legada pelo Pink Floyd, The Wall é um trabalho cercado de referências, não sendo difícil detectar resíduos de Tommy em suas faixas, principalmente no que tange a temas como viagens lisérgicas, alienação e opressão do indivíduo. Repleto de gemas do quilate de Hey You, Another Brinck In The Wall - Part II, Mother e Run Like Hell, o disco permanence como um dos maiores clássicos do rock, exercendo um fascínio profundo sobre gerações de fãs e músicos.

Another Brick In The Wall: uma das cenas mais famosas do filme de Alan Parker


The Wall é um mergulho vertiginoso nos conflitos mais íntimos de Pink, personagem principal que opta por uma postura isolacionista para melhor lidar com as intempéries da vida em comunidade. Convertido em tirano de modos fascistas, Pink é obrigado a encarar seus dramas mais espinhosos em um soturno jogo de consciência, em que questiona o conflito individuo x sociedade.

Levado às telonas pelo diretor Alan Parker, The Wall não encontrou a mesma repercussão provocada pela ópera-rock ao redor do globo. A despeito de ter se tornado um clássico do cinema cult, e ajudado a alavancar a carreira do roqueiro irlandês Bob Geldof, que encarnou Pink, o musical foi obliterado pela densidade e magnificência das canções engendradas por Roger Waters. Sua grandiloqüência reflete a aura que sempre cercou o grupo britânico, conhecido por seus concertos hipnóticos, cuja cenografia sempre foi um espetáculo à parte.

Robôs cor-de-rosa na Broadway

Em meados de 2007, Des McAnuff, diretor que levou Tommy aos palcos, esboçou a possibilidade de montar Yoshimi Battles The Pink Robots, um dos trabalhos mais recentes do cultuado grupo The Flaming Lips, no formato de ópera-rock. Yoshimi pode ser classificado como um álbum conceitual, mas não se encaixa propriamente no formato consagrado por discos como The Wall e o próprio Tommy. Isso por que o trabalho não aborda como um todo a insana história de Yoshimi, uma garota que deve derrotar um exército de robôs cor-de-rosa.

Os americanos do Flaming Lips
Se realmente ganhar os palcos, Yoshimi tem tudo para ser uma montagem singular. Dona de um repertório incomum no rock moderno, a banda de Oklahoma é, há pelo menos uma década, um borrifo de criatividade em um cenário para lá de embotado. O álbum segue uma fórmula esperta, combinando boas doses de bom-humor nonsense, experimentalismo despretensioso e pop rock de primeira. Quem conferiu a turnê do disco, que passou pelo país em 2005, e pôde presenciar o vocalista Wayne Coyne deslocando-se sobre a platéia em uma esfera inflável, entre outras inovações circenses, teve uma pequena amostra do que seria uma ópera-rock baseada em Yoshimi.

Atualizado em 6 Set 2011.